“Defesa nega que jovem tenha batido em policial
Guilherme Braga, advogado do universitário Paulo Henrique Santiago dos Santos, 22, afirmou ontem que não existe ‘nenhum indício de que o jovem tenha encostado’ no coronel da PM Reynaldo Simões Rossi durante o protesto de sexta em São Paulo.
O coronel foi espancado por cerca de dez pessoas no Terminal Dom Pedro 2º. A maioria dos agressores estava de máscara. Souza é o único preso pelo crime até agora que foi indiciado por tentativa de homicídio.”
Ao contrário do que a declaração do advogado leva a crer, não é necessário que alguém tenha ‘encostado’ na vítima para que alguém seja culpado pelo crime. Quem contrata o criminoso, planeja ou crime ou toma parte no cometimento do crime é tão culpado quanto aquele que de fato ‘encosta’ na vítima. E a mesma coisa acontece com quem instiga o cometimento do crime.
Se durante um linchamento uma das pessoas apenas diz para os outros lincharem a vítima, quem instiga pode ser considerado culpado pelo crime cometido por sua orientação (óbvio que quem de fato puxou o gatilho ou bateu até matar vai também responder por sua conduta criminosa).
Logo, não haver indício de que alguém tenha encostado na vítima não quer dizer que aquele alguém seja inocente.
E nem o contrário é verdade. Evidência de que alguém encostou na vítima não quer dizer que esse alguém é culpado. No caso da empresária que teve bombas amarradas em sua cintura e foi obrigada a entrar na joalheria pelos ladrões, ela era apenas o instrumento de extorsão, ainda que tenha sido de fato quem entrou na loja e pegou as joias.
O segundo aspecto interessante aqui é que o suspeito foi indiciado por tentativa de homicídio e não por lesão corporal grave.
A questão aqui não é apenas qual era a intenção do suspeito, mas se ele assumiu o risco de cometer um crime.
Se você bate em alguém, não há dúvida de que você tem a intenção de bater. Logo, você tem o dolo de lesar corporalmente a vítima. Mas você pode também estar assumindo o risco de matar a vítima, e isso configura dolo eventual em um homicídio.
As duas coisas a serem levadas em conta pelo magistrado é, primeiro, se está clara a intenção de apenas machucar. Se é apenas machucar, fica mais difícil alegar que há uma tentativa de homicídio. Mas o magistrado também precisa levar em conta o fato de que, dependendo de como você bate, quanto bate, onde bate etc, você passa a, conscientemente, assumir o risco de matar ainda que sua intenção seja apenas machucar. E isso configura a tentativa de homicídio doloso.
O problema debatido pelos juristas é se a análise do 'assumir o risco' deve ser subjetiva ou objetiva. Ou seja, se devemos levar em conta a capacidade intelectual e percepção daquele suspeito em específico ou de uma pessoa normal. A questão é importante porque, na primeira hipótese, se o suspeito é menos inteligente e menos perceptivo que uma pessoa normal, ele provavelmente não terá assumido o risco. E, na segunda hipótese, se o suspeito é mais inteligente e perceptivo que uma pessoa normal, essa sua capacidade extra não o tornará mais facilmente culpado. Nossos magistrados tendem a preferir uma análise subjetiva, mas como nossa lei não é clara, fica o debate.