“Quatro policiais militares foram presos ontem suspeitos de terem matado o motoboy Alexandre Menezes dos Santos, 25, na madrugada de sábado.
Eles foram autuados em flagrante acusados de homicídio culposo (sem intenção de matar) e estão detidos no Presídio Militar Romão Gomes.
O crime aconteceu em frente à casa da vítima, em Cidade Ademar, zona sul. ‘Eles ficaram meia hora batendo nele e depois o enforcaram na minha frente’, diz a mãe, Maria Aparecida de Oliveira Menezes.
Segundo ela, tudo aconteceu porque o jovem resistiu à abordagem dos PMs, que desconfiaram de sua moto sem placa.
‘Podiam ter prendido por desacato, mas não precisava matar. Ele comprou a moto com tanto sacrifício e iria emplacar na terça-feira’, disse a mãe, com a nota fiscal do veículo nas mãos. Ela recebeu a reportagem em sua casa na noite de sábado, enquanto aguardava a liberação do corpo do filho.
Tudo começou por volta das 3h, quando Maria ouviu barulho de sirene. Por ser a hora em que o filho costumava chegar do trabalho de entregador de pizza, se levantou. Antes de chegar à porta, escutou os gritos de Alexandre. Ao sair, o jovem já estava sendo espancado.‘Comecei a gritar que ele era meu filho, para não baterem nele. Mas eles falavam que eu parecia um canguru pulando e que, se eu não calasse a boca, eles iriam me prender. Não sei por que tinham tanta raiva.’
Segundo ela, foram cerca de 30 minutos de pontapés e socos no estômago. ‘Eu tentava segurar a mão do policial e pedia pelo amor de Deus para que parasse. Eles diziam que meu filho era vagabundo, e eles podiam fazer o que quisessem porque eram policiais.’
Só pararam quando Alexandre caiu, inerte. ‘Eu ainda tinha esperança de que tinham dado alguma injeção, mas depois vi o pescoço do meu filho mole, a baba escorrendo e a poça de sangue crescendo.’
Nesse momento, Maria conta que os policiais se desesperaram. "Eles batiam no rosto dele, tentavam reanimá-lo. Quando viram que não tinha jeito, jogaram-no dentro de um carro e foram embora." Sem saber para onde ir, Maria correu para o Distrito Policial. Lá, alguém disse que o filho tinha apenas quebrado uma perna e estava hospitalizado. ‘Cheguei a sorrir. Mas durou tão pouco. Quando cheguei ao hospital, ele já estava no IML.’
Enquanto o corpo de Alexandre era submetido à necropsia, Maria prestava depoimento. Atrás do vidro escuro, reconheceu três dos policiais que espancaram o filho. ‘Até ontem, meu sonho era ter um filho policial. Agora tenho medo deles.’
Em casa, Maria recebeu o atestado de óbito. As causas da morte: asfixia e traumatismo craniano. Alexandre deixou um filho de três anos e foi enterrado ontem. ‘Que tristeza. Enterrar um filho no Dia das Mães.’”
Homicídio culposo é matar alguém sem querer. Você, sem querer, encosta em uma pessoa que cai do prédio, ou dá marcha ré no carro e atropela seu próprio filho, ou esquece o recém-nascido dentro do carro enquanto vai ao shopping.
Mas a conduta descrita acima, se de fato ocorreu, se encaixa muito melhor em um outro crime: lesão corporal seguida de morte. Na lesão corporal seguida de morte, o criminoso quer machucar a vítima (lesão corporal), mas acaba não só machucando, mas também matando. Ele não quis matar. Só quis machucar. Matou seu querer. A lesão corporal seguida de morte é um crime que une as condutas descritas em dois crimes: a lesão corporal (dolosa) e o homicídio culposo. O suspeito quer machucar, e machuca tanto que, sem querer, acaba matando. Isso é o que chamamos em direito de preterdolo: a primeira ('pré') conduta (lesão corporal) é dolosa, enquanto a segunda conduta (morte) é culposa.
Em outras palavras, de acordo com a interpretação do delegado, eles sequer bateram na vítima. Eles simplesmente a mataram sem querer.
As penas são bem diferentes:
- Homicídio culposo: detenção, de 1 a 3 anos
- Lesão corporal seguida de morte: reclusão, de 4 a 12 anos
O juiz do caso, contudo, pode ter ainda uma outra interpretação: ele pode julgar que se trata não de uma lesão corporal seguida de morte, mas de um homicídio doloso. Isso porque, como já vimos, homicídio doloso não é só aquele em que a pessoa quer matar, mas também aquele no qual a pessoa assume o risco de matar. E qualquer pessoa que resolva bater em outra por meia hora sabe (ou deveria saber) que está assumindo o risco de ocasionar a morte da vítima.
PS: Também na Folha Online.