“Alexandre Pires se diz 'chocado' com acusação de racismo em clipe
O cantor Alexandre Pires disse que se sente ‘profundamente chocado’ com a suspeita de discriminação racial no clipe de divulgação da música ‘Kong’, onde homens negros aparecem vestidos de gorilas. O clipe tem a participação do funkeiro Mr. Catra e do jogador de futebol Neymar (…)
Pires prestou esclarecimentos na Procuradoria-Geral da República em Uberlândia (MG) na última quinta-feira (3), que apura a suspeita de discriminação racial. A investigação está sendo feita naquela cidade porque é onde mora o cantor.
O procedimento foi instaurado após denúncia [sic] encaminhada pela Ouvidoria Nacional da Igualdade Racial, vinculada à Presidência da República.
Para Pires, não se deve ‘tratar toda e qualquer brincadeira com macacos e gorilas como uma referência a ser apagada da nossa memória’”.
Esse é o vídeo:
Segundo a Lei 12.288/10, discriminação racial ou étnico-racial é “toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada”.
E para a Lei 7.716/89, é crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
O problema dessas duas leis aplicadas à matéria acima é saber se o vídeo induziu ou incitou as pessoas a restringirem qualquer direito dos negros.
Quando um magistrado julga um caso como esse ele não está julgando se o vídeo é de bom gosto, ou se ele é inteligente, ou mesmo se ele pode ser considerado arte ou música. Nada disso interessa à Justiça. Se não gostamos da música ou do artista ou da mensagem, a punição é dada pelo consumidor, e não pela Justiça.
O que o magistrado está julgando é se, olhado friamente, o vídeo induz ou instiga quem assiste a violar os direitos alguém por conta de sua raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica. Se não instigar ou incitar, não há crime, por mais que não gostemos do vídeo.
Além disso, a incitação ou instigação precisa ser direta. Não dá para alegar que um vídeo sobre campos de concentração nazistas instigam discriminação contra os alemães, ou que um filme no qual os soviéticos aparecem como vilões instiga discriminação contra russos. Mas se esses mesmo vídeos aparecerem com mensagens na linha do ‘alemães não têm direitos’, aí sim, teremos uma discriminação étnico-racial.
O fato de o Ministério Público ter aberto inquérito significa apenas que ele está investigando o caso. Investigar não é iniciar processo, é apenas procurar indícios e provas e ouvir testemunhas, vítimas e suspeitos para saber se, aí sim, há base suficiente para propor um processo. E mesmo que o processo seja proposto, há ainda dois outros obstáculos antes de podermos dizer que fulano praticou discriminação racial: o magistrado precisa aceitar a denúncia apresentada pelo Ministério Público e, ao fim do processo, chegar à conclusão de que o suspeito é de fato culpado. Até lá, não se pode dizer que houve discriminação.