“Constituição mudou muito, mas não no essencial, diz pesquisa
Apesar de ter sido muito reformada -foram 80 emendas em 25 anos-, os ‘princípios fundamentais’ da Constituição de 1988 sofreram poucas alterações. O que muda bastante, cerca de 70% dos acréscimos ou remodelações, são os dispositivos que tratam de políticas públicas sociais.
São normas importantes, mas que, pela própria natureza, nem precisavam estar na Carta Magna. Poderiam existir como lei convencional.
A tese é defendida pelo cientista político Cláudio Couto, secretário adjunto da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais) e autor de uma série de trabalhos sobre o assunto em parceria com Rogério Arantes, da USP.
Conforme os pesquisadores, a Constituição cresceu quase 40% desde 1988. Mas nem o tamanho nem a frequência de alterações são vistos como problema.”
Deixando de lado a subjetividade do debate sobre o que é ‘essencial’ e o que não é, uma constituição grande como a nossa está, obviamente, mais sujeita a mudanças do que uma constituição enxuta. Nossa constituição já sofreu 74 emendas (e outras 6 emendas de revisão) em 25 anos. Algo como uma emenda a cada quatro meses. Já a americana, que é muito menor, sofreu apenas 27 emendas em 224 anos. Algo como uma emenda a cada oito anos e quatro meses. A nossa tem 250 artigos e 97 disposições transitórias, a americana tem 7 artigos e 27 emendas.
Mas as emendas não dependem apenas do tamanho da constituição, mas também de quão fácil é emendá-la.
No Brasil, para que uma emenda seja proposta, são necessários 10% dos deputados ou senados, ou o presidente da República pode propor tal emenda sozinho, ou 14 das 27 assembleias legislativas das unidades federativas. E para que a emenda seja aprovada, são necessários votos a favor de três quintos (60%) dos senadores e dos deputados.
Voltando ao exemplo dos EUA, apenas para propor a emenda são necessários dois terços (66%) dos senadores e deputados ou dois terços (34) Estados. Ou seja, apenas para propor a emenda, nos EUA, é necessário mais apoio do que o necessário para aprovar tal mudança no Brasil (60%). Logo ser mais fácil mudar nossa Constituição do que a dos EUA.
Justamente porque é relativamente fácil mudar nossa Constituição é que introduzimos as cláusulas pétreas, que são aquelas partes da Constituição que não podem ser emendadas. Ao menos não para pior. É o caso, por exemplo, dos direitos fundamentais. O legislador não pode abolir um dos direitos listados lá no artigo 5o porque tal direito é uma cláusula pétrea.
Há cláusulas pétreas explícitas, que são aquelas que a Constituição diz claramente que não podem ser mudadas, e há cláusulas pétreas implícitas, que são aquelas que embora a Constituição tenha se esquecido dizer que não podem ser modificadas, elas não podem ser modificadas porque isso seria ilógico. Por exemplo, a regra que estabelece as cláusulas pétreas explícitas não se auto-protege. Logo, ela poderia ser modificada e, assim, poderíamos apagar o artigo que protege as cláusulas pétreas explícitas. Mas isso seria ilógico e por isso aquele artigo é considerado cláusula pétrea implícita.
É por isso que a maior parte das modificações citadas na matéria acima estarem concentradas em artigos ‘supérfluos’ da Constituição, já que não há nenhuma cláusula pétrea entre eles. Os que realmente são essenciais são normalmente cláusulas pétreas e não podem ser modificados.
Mas, ao contrário do que a maioria das pessoas acredita, nenhum artigo ou tema precisa sequer estar na Constituição. Para que um país seja uma democracia, não há sequer necessidade de que haja uma constituição. Reino Unido, Nova Zelândia e Israel, por exemplo, não têm constituição. O que eles possuem são uma coletânea de leis promulgadas ao longo do tempo que, em conjunto, gerem como o país funciona.
Nesse sentido, essas leis são normas constitucionais porque indicam como aquele país é constituído. Mas elas não estão acima de qualquer outra norma e não estão em um único documento.
Tampouco a ideia tradicional de que uma constituição formal está acima de todas as outras normas é essencial. Na Holanda, por exemplo, tratados internacionais se sobrepõem à constituição, mas nem só por isso o país deixa de ser uma das democracias mais admiradas e admiráveis do mundo.
O que torna um documento constitucional realmente admirável não é seu tamanho, quão fácil é modificá-lo, ou mesmo se ele existe como um documento formal. O que o torna admirável é quão bem ele reflete os valores e anseios de uma sociedade e o quão bem a sociedade respeita e se faz representar naquele documento ou documentos. É justamente por isso que democracias como o Reino Unido até hoje não viram necessidade de criar uma constituição. Se as demais leis refletem seus anseios, se o parlamento representa a sociedade e atende suas demandas, e se as instituições respeitam e são respeitadas pela sociedade, por que perder tempo formalizando isso em um único documento?