"Por 6 votos a 3, o Supremo Tribunal Federal validou ontem a decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de negar a extradição do italiano Cesare Battisti e determinou que ele seja solto (...)Não for crime no Brasil. Não é o caso porque ele foi julgado por homicídio, o que também é crime no Brasil.
A maioria dos ministros entendeu que não caberia ao Supremo analisar o ato de Lula. Eles disseram que a decisão do ex-presidente é "soberana" e que, sem extradição, não existiam mais motivos para Battisti ficar preso.
O Supremo já havia decidido não acatar ao pedido da Itália para que a decisão de Lula não fosse reconhecida (...)
O italiano fez parte do PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), grupo terrorista de extrema esquerda que atuou na Itália dos anos 70. Foi condenado em seu país a prisão perpétua por participar em quatro assassinatos.
Ele sempre negou a autoria dos crimes e disse que sofreu perseguição política. O ex-ministro da Justiça brasileiro Tarso Genro concedeu a ele, no final de 2008, o status de refugiado político.
O ato foi considerado ilegal pelo STF, que em 2009 autorizou a extradição, deixando a última palavra para Lula. Dias depois, o tribunal afirmou que Lula deveria seguir o Tratado de Extradição entre Brasil e Itália"
Esse é um assunto complicado, mas vamos tentar simplifica-lo: para entender esse caso, precisamos primeiro saber o art. 77 da lei 6.815/80 diz duas coisas importante. Primeiro, que não se pode extraditar um estrangeiro se o crime que ele cometeu no país que está pedindo a extradição:
- O Brasil puder julgar esse crime. Não é o caso porque os crimes pelos quais ele foi julgado só poderiam ser julgados na Itália.
- A pena para um crime no Brasil é igual ou menor a 1 ano. Não é o caso porque a pena de homicídio é de 6 ou mais anos no Brasil.
- Ele já tiver sido julgado ou estiver sendo julgado no Brasil por um crime conexo ao mesmo fato que gerou o pedido de extradição. Não é o caso porque ele nunca foi (ou está) sendo julgado no Brasil, exceto no próprio pedido de extradição.
- O crime já estiver prescrito no país de origem ou no Brasil. Embora os crimes tenham acontecido na década de 70, a última sentença italiana foi de 1995 e o homicídio no Brasil prescreve em 20 anos.
- O crime foi político. Esse era o ponto mais polêmico, mas o STF entendeu que se tratava de crime comum e não político.
- O estado que pediu sua extradição vai julgá-lo ou o julgou em um tribunal de exceção. Não é o caso porque a Itália é uma democracia.
Mas então por que o presidente pode parar o processo de extradição? A lei não é clara ao falar que a competência é exclusiva do STF?
Sim, ela é clara, mas reparem que ela fala que cabe ao STF julgar, exclusivamente o caráter da infração, e não a extradição em si.
Por conta disso o STF estabeleceu que a extradição tem um caráter bifásico no Brasil. Na primeira fase, o STF julga se a pessoa é passível de extradição, ou seja, se o crime pelo qual é acusado (ou pelo qual foi condenado) entra em algum dos requisitos acima. Se não entrar, a pessoa pode, sim, ser extraditada.
Mas a segunda fase pertence ao presidente da República. A autorização dada pelo STF não vincula (ou seja, não obriga) o presidente a extraditar a pessoa. A decisão do presidente da República é um ato soberano tomado por um chefe de estado em relação a outro país. Uma vez que o STF determina que a pessoa é passível de extradição, o presidente tem o poder discricionário (voluntário) de extraditar. Ou seja, se o STF não permitir, o presidente não pode extraditar, mas se o STF permitir, o presidente não é obrigado a extraditar.
Mas o presidente precisa justificar ao outro país por que ele não irá extraditar. Não porque o STF o obrigue a fazer isso, mas porque o Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, de 1989, que é o documento que regulamenta a extradição entre esses dois países, diz (artigo XIV-1) que “a parte requerida [o país que recebeu o pedido de extradição] informará sem demora à parte requerente sua decisão quanto ao pedido de extradição. A recusa, mesmo parcial, deverá ser motivada”. O Brasil precisa informar a Itália as razões pela qual decidiu não extraditar. Nesse caso, o argumento usado foi baseado também no próprio Tratado. Em seu artigo V, ele diz que nem a Itália nem o Brasil devem extraditar se a extradição apresentar um perigo de violação dos direitos fundamentais do extraditado no país que pediu a extradição. Foi justamente esse o argumento usado pelo presidente brasileiro. Segundo ele, haveria o risco de o extraditado ser submetido, na Itália, a um tratamento que feriria tais direitos. Ou seja, sem extraditar, o presidente de fato cumpriu tanto o que está escrito no Tratado (comunicar os motivos de sua decisão) quanto a decisão do STF, que o ordenava a cumprir o que estava no Tratado, conforme explicado pela matéria acima.
O contra-argumento da Itália, que levou a esse último julgamento pelo STF, era que o presidente errou e que, sendo uma democracia, o extraditado jamais teria seus direitos violados lá, ainda mais seus direitos fundamentais.
O STF não disse se concordava ou não com o argumento da Itália. Ele decidiu (ontem) apenas que não cabe a ele julgar essa decisão do presidente brasileiro, pois o presidente tem autonomia para decidiu como quiser. Em outras palavras, que não cabe a ele (STF) impor sua vontade naquilo que a lei diz (segundo a interpretação do próprio STF) que deve ser o presidente quem deve decidir usando seu poder discricionário.
Aqui estão o parecer e o despacho da AGU (órgão que presta assessoramento jurídico ao presidente), que embasaram a decisão do presidente.