“Senadores estendem a lei antifumo para todo o país
O Senado aprovou uma medida provisória que proíbe o fumo em ambientes fechados de acesso público em todo o país.
Até os fumódromos, áreas criadas especificamente para fumantes em bares, restaurantes, danceterias e empresas, ficam proibidos.
Hoje, leis semelhantes já vigoram em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná.
A medida passará a valer a partir da sanção do texto pela presidente Dilma Rousseff. A proposta, porém, ainda depende de regulamentação para fixar valor de multa (…)
A proposta, que começou a tramitar no Congresso em agosto deste ano, foi aprovada de maneira simbólica (…)
Outras alterações foram aprovadas no Senado. Uma delas é a que prevê que, a partir de 2016, os maços de cigarros também tragam mensagens de advertência sobre os riscos do produto à saúde em 30% da parte frontal (hoje existe só na parte de trás).
Pontos de venda de cigarro não poderão mais ter propaganda. Eles deverão apenas expor os produtos e suas advertências à saúde (…)
No Brasil, estima-se uma população fumante de 15% - em 1989 era de quase 35% (…)
[A]s restrições ao fumo foram aprovadas na última terça-feira (22) pelo Plenário do Senado, no bojo do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 29/2011, que, entre outras disposições, cria o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra). O projeto aumentou o imposto sobre o cigarro e mudou as regras para o acesso ao produto”
Nossa Constituição diz que o presidente (e somente ele) poderá editar medidas provisórias em casos de relevância e urgente. Essas MPs passam a valer a partir do dia de sua publicação. Mas, depois de publicadas, o Congresso tem 60 dias (prorrogáveis por mais 60) para converte-la em lei. Se não converte-la, ela deixa de valer.
Mas algo interessante está acontecendo com frequência no Brasil: o Congresso converte a MP, mas com mais coisas embutidas dentro dela. O texto acima é um exemplo disso:
A MP (540/11) editada pela presidente tratava de questões tributárias, como o REINTEGRA (Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para Empresas Exportadoras) e a tributação dos tablets digitais. Como toda MP, para ela passou a ser válida imediatamente. Mas para ser válida de forma permanente, ela precisava ser convertida em lei. Para ela ser convertida em lei, seu texto foi apresentado como um projeto de lei de conversão (chamado PLV). Como todo projeto de lei, para virar lei ela precisou ser aprovada pelo Legislativo. Até aqui, não há novidades. Mas aí é que entra a ‘inovação’ dos parlamentares:
Eles passaram a 'enfiar' no projeto de lei, além do texto que já constava na MP, outros artigos que não tinham nada a ver com a MP. Foi o que aconteceu com a proibição do fumo em recintos fechados da matéria acima. A MP tratava de assuntos tributários, mas no PLV, apareceram uma série de novos artigos, inclusive um (art. 49) que proibiu o fumo em recintos fechados.
Nunca houve uma MP para proibir o fumo em locais fechados (se houvesse, nós já não poderíamos fumar desde o momento de sua edição pela presidente). A proibição só passou a ser discutida no projeto de lei de conversão. Algum parlamentar colocou no projeto de conversão da MP algo que não estava na MP, e que não tinha nada a ver com o tema do qual ela tratava.
Isso trás à tona duas questões importantes:
Uma boa parte dos projetos de lei é votada apenas pelas comissões e não pelos plenários. As comissões são grupos reduzidos de parlamentares. E, para complicar, boa parte das votações se dá por voto simbólico, ou seja, apenas quem é contra se manifesta. Se não se manifestar, conta-se como se o parlamentar houvesse votado a favor. Mas isso presume que (a) a comissão de fato tenha capacidade de entender o que está votando (por exemplo, saúde e tributos são coisas que necessitam de conhecimentos técnicos diferentes) e (b) que quem não se manifestou contrário ao projeto sabia do que o projeto tratava, ou ao menos o leu. Se lermos apenas a ementa do projeto, não dá para entender do que ele trata. Por exemplo, no caso do projeto que proíbe o fumo em locais fechados, a ementar é essa: "Institui o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra); dispõe sobre a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) à indústria automotiva; altera a incidência das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas que menciona; altera as Leis nº 11.774, de 17 de setembro de 2008, nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, nº 10.865, de 30 de abril de 2004, nº 11.508, de 20 de julho de 2007, nº 7.291, de 19 de dezembro de 1984, nº 11.491, de 20 de junho de 2007, nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, e nº 9.294, de 15 de julho de 1996, e a Medida Provisória nº 2.199-14, de 24 de agosto de 2001; revoga o art. 1º da Lei nº 11.529, de 22 de outubro de 2007, e o art. 6º do Decreto-Lei nº 1.593, de 21 de dezembro de 1977, nos termos que especifica; e dá outras providências". A parte que diz que o fumo será proibido em qualquer local é a que está em negrito acima. Mas isso não fica claro no 'resumo'.
A outra questão é que se o presidente precisou agir rapidamente porque o assunto era relevante e urgente, está correto o Congresso arriscar perder o prazo para converte-la em lei porque alguém resolveu ‘enfiar’ nela algo que não está relacionado ao assunto do qual ela trata?
Por outro lado, as MPs têm votação prioritária. Se o presidente edita várias MPs, os congressistas vão gastar boa parte de seu tempo analisando MPs em vez de discutirem propostas próprias. ‘Pegar carona’ na conversão de uma MP não seria apenas uma forma que os parlamentares encontraram para terem suas próprias propostas votadas em um Congresso engessado pelas MPs do Executivo?
E para complicar: e por que o Executivo edita tanta MP? Será por que o Congresso não está fazendo seu papel de legislar e acaba forçando o Executivo a faze-lo em seu lugar, ou será porque ao longo de nossa história o Executivo se habituou a agir de forma pouco democrática e se sobrepor ao Legislativo?