“Um homem foi flagrado pela Polícia Militar enquanto se passava pela mulher em um curso de reciclagem para motoristas em Curitiba.
Adilson Gomes Domingues, 40, que se apresentou como a mulher, Eduvanir, assistiu à primeira aula e chegou a assinar a presença no curso na segunda-feira.
Segundo o Detran-PR (Departamento Estadual de Trânsito), ao ver que o nome, cadastrado como feminino, era usado por um homem, a professora decidiu comparar a assinatura dele com a da carteira de habilitação registrada no órgão (...)
O homem foi conduzido então ao 1º DP de Curitiba para prestar esclarecimentos. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, ele foi liberado em seguida, mas deve responder por falsidade ideológica. A mulher, por sua vez, precisará frequentar o curso.”
Essa matéria é interessante para aprendermos algo importante sobre penas: elas não vão além da pessoa do condenado. Esse é um princípio das democracias e está no artigo 5o, XLV de nossa Constituição: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”.
Existem dois pontos importantes derivados desse direito-obrigação:
Primeiro, apenas o acusado pode ser condenado e apenas o condenado pode sofrer a pena. Se Zezinho comete um crime, sua mãe, seu filho, seu irmão gêmeo ou sua esposa não podem ser condenados em seu lugar e muito menos serem obrigados a cumprir sua pena. O crime e a pena são dele. Isso não quer dizer que, infelizmente, seus parentes, cônjuges e outras pessoas próximas a ele não sofrerão o impacto de sua condenação.
Óbvio que se ele for preso ele não poderá prover tudo que era capaz de prover à sua família, quando tinha um salario e trabalho. Sua família sofrerá o impacto financeiro dessa restrição. Mas isso não é uma pena contra a família, mas apenas uma consequência negativa da condenação de Zezinho. Por outro lado, se enquanto ele estiver preso ele receber uma super herança ou ganhar na loteria, esse dinheiro será dele, mas as consequências positivas serão refletidas em sua família.
Sempre que lemos o artigo acima, pensamos nesse primeiro aspecto da vedação. Mas existe um outro lado da moeda:
Ninguém pode ser condenado ou cumprir a pena em seu lugar, mesmo que essa terceira pessoa queira e se ofereça para isso. A justiça não aceita mártires. Não importa que o jovem homicida tenha 18 anos e uma vida inteira pela frente, e seu tataravô tenha cento e muitos anos e tenha sido desenganado pelos médicos: se Zezinho cometeu um delito, só ele pode cumprir sua pena.
É o que ocorreu na matéria acima. A sanção não é contra o esposo: foi contra a esposa. Não importa que o esposo queira assistir as aulas em lugar da esposa, ou que ela esteja doente. Só a esposa pode cumprir sua pena. Da mesma forma que se agora ele for condenado por falsidade ideológica, só ele poderá cumprir sua pena. Tampouco eles podem fazer um acordo para cumprir a pena um do outro.
E por que não podem? Por que a Constituição veda? Afinal, a sociedade ainda está colocando uma pessoa atrás das grades, não? Não! Para isso precisamos entender quais os objetivos de uma pena. Elas servem para três objetivos: punir, exemplificar e reeducar. Todas as penas, em graus diferentes, cumprem (ou deveriam cumprir) essas três funções. Elas punem quem errou, exemplificam para o resto da sociedade que esse erro não é aceito e será punido se outra pessoa também errar, e tentam reeducar aquele que errou para que ele não volte a errar no futuro.
Ora, se uma pessoa pode cumprir a pena no lugar de outra, essas três funções vão por água abaixo: quem errou não sofrerá as consequências de seu erro, e tampouco aprenderá que não pode voltar a cometer esse erro (a bem da verdade, aprenderá justamente o contrário: que é fácil escapar do braço da lei), e o resto da sociedade terá como exemplo a ineficácia da lei.
Mas haveria algo ainda pior: os mais ricos poderiam ‘alugar’ cumpridores de penas. Haveria pessoas cuja a profissão seria cumprir penas. E, acreditem ou não, para a justiça, ricos e pobres devem (ao menos em teoria) ser tratados de forma idêntica (a tal da justiça cega).
Existe, na verdade, uma terceira razão: as penas são individualizadas. Mas vamos falar disso em outro post.