“O tucano José Serra já bateu um recorde nessa eleição: até agora, ele já teve pelo menos 21 nomes citados como possíveis candidatos a vice em sua chapa. A definição desse posto é um dos maiores mistérios da atual disputa. Durante meses, apoiadores de diversas tendências pressionaram Aécio Neves, ex-governador de Minas Gerais, para ocupar a vaga. Enquanto Aécio recusava, pelo menos outros 20 nomes foram citados em algum momento por correligionários de Serra em entrevistas, discursos ou bastidores vazados à imprensa. A indefinição começa a irritar aliados. Nos últimos dias, representantes do DEM passaram a reclamar publicamente o direito de indicar o vice, caso a recusa de Aécio permaneça. Em resposta, o deputado federal Jutahy Júnior (PSDB-BA) chegou a dizer que o não lançamento do vice era uma ‘estratégia eleitoral’. Na lista dos 21 já cotados como vice, 9 são filiados ao PSDB, 7 são do DEM, 1 do PPS, 1 do PP, 1 do PMDB, 1 do PV e 1 sem partido (ex-DEM). Quase metade da lista é composta por senadores. Dos 20 nomes, 6 são mulheres. Há ainda 3 Josés -os xarás de Serra- e 3 membros da família Neves”
Ser vice-presidente da República parece ser a mesma coisa que ser o reserva do goleiro numa partida de futebol: tem que ter, mas ninguém presta atenção. Mas no caso do Brasil, esse é um reserva que entra em campo com bastante regularidade: nos últimos 25 anos (desde que o Brasil voltou a ser uma democracia, em 1985), o país foi governado de forma permanente por vices por nada menos do que 7 anos, além de um outro tanto de forma interina (quando o presidente está viajando). Mas essa tendência não fica restrita à nossa história recente: desde o início esse é um fato que se repete sempre:
- Nosso primeiro presidente – Deodoro da Fonseca renunciou no início de seu segundo mandato e o vice, Floriano Peixoto, tomou posso e exerceu a presidência pelos quatro anos seguintes.
- Durante o governo seguinte, de Prudente de Moraes, o vice (Manuel Vitorino) exerceu a presidência por 4 meses consecutivos enquanto Prudente de Moraes estava doente.
- Afonso Pena, que foi o vice-presidente do presidente seguinte (Rodrigues Alves), acabou se tornando o próximo presidente.
- Mas Afonso Pena morreu antes do fim de seu mandato, sendo substituído por seu vice-presidente: Nilo Peçanha.
- O vice-presidente (Wenceslau Braz) do presidente seguinte (Hermez da Fonseca) acabou se tornando o presidente na eleição seguinte.
- Mas Wenceslau Braz também não passou intacto: seu vice (Urbano Santos) assumiu o governo interinamente por um mês inteiro em 1917 enquanto Wenceslau Braz se convalescia.
- Em 1918 Rodrigues Alves, que já havia sido presidente, foi eleito novamente mas, como Tancredo Neves 67 anos depois, morreu (de gripe espanhola) antes de tomar posse, sendo substituído por seu vice, Delfim Moreira, que governou por 9 meses, até que novas eleições fossem feitas.
- Delfim Moreira foi também vice-presidente no governo seguinte, de Epitácio Pessoa, mas morreu no segundo ano do mandato.
- O vice (Urbano dos Santos) do presidente seguinte (Arthur Bernardes) também morreu antes de sua posse.
- O presidente seguinte (Washington Luis) e seu vice (Fernando de Mello), não terminaram seus mandatos por conta do golpe de 1930.
- Com o golpe de estado, Getúlio Vargas governou sem um vice até 1945. A Constituição de 1937 não previa a figura do vice-presidente. Segundo ela, a substituição do presidente, tanto nos casos de seu impedimento quanto de vacância, seriam decididos pelo Conselho Federal (algo parecido com o que hoje é o Senado Federal).
- Quando Getúlio Vargas finalmente foi removido do poder, em 1945, José Linhares, então presidente do STF, assumiu o governo (não se esqueçam: não havia vice na época). Ele ficou no cargo por 4 meses até que Eurico Gaspar Dutra fosse eleito (com um vice, que voltou a existir na Constituição de 45).
- Getúlio Vargas voltou ao poder na eleição seguinte, mas como cometeu suicídio antes do fim do mandato, seu vice (Café Filho) foi obrigado a assumir o cargo de titular.
- Mas Café Filho acabou não durando no cargo e foi deposto em outro golpe, sendo substituído primeiro pelo presidente da Câmara (Carlos Luz) e depois pelo presidente do Senado, Nereu Ramos.
- Comparado com todos os seus antecessores, o presidente seguinte, Juscelino Kubitschek, teve um mandato sem surpresas, mas seu vice seria um dos vices mais famosos da história brasileira: João Goulart.
- Goulart foi vice não só de Juscelino, mas também do presidente seguinte: Jânio Quadros, que acabou renunciando antes do fim de seu mandato. Depois de algum percalço, Goulart finalmente assumiu a presidência e, entre trancos e barrancos, governou de 61 a 64, quando sofreu o golpe final e foi deposto pela junta militar.
- Mas nem durante o governo militar as coisas se estabilizaram: Costa e Silva, por exemplo, não conseguiu terminar seu mandato e seu vice (Pedro Aleixo) foi impedido de tomar posse.
- Quatorze anos depois, com o início da redemocratização do país, Tancredo Neves foi eleito, mas morreu antes de tomar posse. Acabou substituído por seu vice, José Sarney, que governou pelos próximos 5 anos.
- O presidente seguinte (Fernando Collor) acabou sofrendo impeachment e foi substituído por seu vice (Itamar Franco), que governou pelos dois anos seguintes até que seu ministro da Fazenda (Fernando Henrique) fosse eleito presidente.
Como se vê, o vice-presidente no Brasil é muitas vezes mais importante que o titular.