Abaixo o texto original, publicado hoje (14/12/12), mas com os trechos omitidos:
“Delação tardia pode motivar nova acusação contra Marcos Valério
A estratégia adotada pelo empresário Marcos Valério - já condenado a mais de 40 anos de prisão e R$ 2,7 milhões em multas- de envolver o ex-presidente Lula no mensalão pode ser um tiro no próprio pé.
Se o ex-presidente for culpado, isso será julgado em um segundo processo. Ao delatar o ex-presidente, Valério também está confessando sua culpa por, no mínimo, um novo crime.
Como a sentença do primeiro processo já estará transitada em julgado e ele estará cumprindo suas penas, já não será réu primário, o que impossibilita a aplicação do artigo 13 da lei 9.807/99, que requer a primariedade do delator para a obtenção do perdão judicial.
O art. 63, do Código Penal diz que é reincidente aquele que comete novo crime após o trânsito em julgado da sentença que o condenou por crime anterior. O fato, segundo Valério, foi iniciado antes do trânsito em julgado da ação penal 470, que ainda não terminou. Ninguém sabe exatamente quando terminou ou mesmo se terminou.
Mas, independente disso, o perdão do art. 13 é ato discricionário do magistrado (parágrafo único) e não automático. Baseado na repercussão social do crime e gravidade da conduta, o juiz não aplicaria o art 13 (perdão) e sim o art. 14 (redução). Foi o que aconteceu com Roberto Jefferson, que cometeu crime menor - evidenciado em sua pena menor - e de fato colaborou trazendo os fatos à tona. Aplicar o perdão a Valério seria dar mais a quem contribuiu menos.
Aplicar-se-ia o artigo 14 da mesma lei, que permite ao juiz reduzir a pena entre um e dois terços.
Mas a redução seria aplicada somente à nova condenação ou também valeria para as condenações contra as quais já não cabe recurso e cujas penas já estejam sendo cumpridas?
A delação em nada terá contribuído no julgamento do mensalão 1. Na verdade, sua demora em delatar terá atrapalhado pela omissão de informações relevantes. Ilógico estender o benefício a um processo no qual o delator não ajudou.
Logo, a redução da pena, provavelmente, seria aplicada apenas ao segundo processo. Mas não haveria segundo processo se ele não houvesse admitido sua própria culpa ao delatar o ex-presidente. Sua situação piora.
Se Lula for inocente, o empresário terá cometido novos crimes. A começar pela calúnia contra o ex-presidente, que poderá mover ação penal. A pena chega a dois anos e inclui multa.
Ainda que o ex-presidente não mova uma ação, como o empresário levou esses fatos ao conhecimento das autoridades públicas em seu depoimento em setembro, ele terá cometido denunciação caluniosa, que é motivar a abertura de investigação ou processo contra alguém por crime de 'que o sabe inocente'.
A ação independe da vontade do ex-presidente, e a pena chega a oito anos e multa.
Dado que a defesa de Valério é experiente e certamente ponderou o impacto da confissão, cabe perguntar se há outras razões -políticas, financeiras ou mesmo morais- por trás da delação tardia”.
Se você ler o parágrafo anterior aos suprimidos – e sem os suprimidos – ficará com a impressão que o réu é reincidente. E isso está errado. Não dá para saber se ele é reincidente ou primário porque não sabemos se ele já teve alguma outra condenação criminal ou se o crime que ele agora confessa já terminou.
A reincidência acontece quando alguém comete um crime depois de ter sido irrecorrivelmente condenado por outro crime. E mais: ela só surge quando o condenado terminou de cumprir a pena dessa condenação contra a qual já não cabe recurso nos últimos 5 anos, ou menos.
Por exemplo, se ele foi condenado a 20 anos, cumpriu sua pena, saiu e depois de 6 anos voltou a delinquir, ele será considerado réu primário. Mas se ele cometeu o novo delito 4 anos depois de cumprir sua pena, ele será considerado reincidente.
O artigo dá a entender que a reincidência ocorre quando uma condenação ocorre depois de outra condenação contra a qual já não cabe recurso. Na verdade, ela ocorre quando um novo crime é cometido depois de uma condenação contra a qual já não cabe recurso.
No caso do Mensalão 1, ainda não há trânsito em julgado, logo, se essa é a única condenação criminal que ele sofreu até hoje, ele ainda será primário, mesmo que, ao longo de um eventual novo julgamento por um Mensalão 2, a condenação do Mensalão 1 venha a transitar em julgado. Exceto se os crimes do Mensalão 2 ainda estejam ocorrendo (por exemplo, se ele ainda paga alguma conta, se ainda evade divisas etc).
PS: Embora essa omissão crie um erro técnico no artigo, ela não invalida as conclusões. Isso porque o parágrafo único do art. 13 diz que o perdão judicial é ato discricionário. O juiz pode ou não concedê-lo. No caso do ex-deputado mencionado no trecho suprimido, por exemplo, ele não foi perdoado, mas apenas recebeu a redução da pena, que é prevista no artigo 14. E é justamente isso que o segundo parágrafo omitido explicava.