“Promotoria do Rio denuncia Thor por atropelamento
O Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro denunciou, ontem, à Justiça Thor Batista, filho do empresário Eike Batista.
Ele foi denunciado sob acusação de homicídio culposo (quando não há intenção de matar).
O MPRJ requereu, também, por medida cautelar, a imediata suspensão da sua carteira de motorista.
Thor atropelou e matou o ciclista Wanderson Pereira dos Santos, em 17 de março, na rodovia Washington Luís na altura de Xerém, Baixada Fluminense.
Segundo laudo pericial, divulgado na última sexta-feira, Thor Batista dirigia seu carro, uma Mercedes-Benz SLR, a 135 km/h. Todavia. a velocidade máxima permitida nesse trecho da rodovia é de 110 km/h.
O ciclista também foi considerado, pela polícia, como culpado, uma vez que o exame toxicológico detectou que ele havia ingerido grande quantidade de bebida alcoólica na data do acidente.
A suspensão do direito de dirigir de Thor Batista foi requisitada com base nas informações disponibilizadas pelo Detran-RJ (Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro).
O órgão registra 11 infrações de trânsito cometidas por Thor, nove delas por excesso de velocidade.”
Há três pontos distintos e interessantes acima:
Velocidade e homicídio doloso
A denúncia foi por homicídio culposo. Isso ocorre quando a pessoa age com negligência, imprudência ou imperícia. Mas é possível uma outra interpretação: quem dirige acima do limite de velocidade está assumindo um risco. Assumir um risco é dolo. É o que os juristas chamam de dolo eventual. A pessoa não quer matar, mas assume o risco de matar de forma voluntária. É a mesma coisa de quem brinca com roleta russa.
Mas há ainda uma terceira hipótese: a chamada culpa consciente. Ela ocorre quando a pessoa sabe do risco que sua conduta enseja, mas acha que o resultado não ocorrerá e também não deseja que ele ocorra. É o caso do motorista que acha que é ótimo motorista, mas não é, e acaba matando alguém por tentar uma manobra que não domina, mas acha que domina.
Afinal, qual é a maneira correta de enquadrar o motorista em um caso como o da matéria acima? A lei não diz qual a melhor interpretação, logo, a decisão fica a cargo do magistrado. A lei diz, contudo, que se o carro estivesse 50km acima da velocidade permitida (160km) ou se o motorista estivesse embriagado, seria crime doloso.
O interessante aqui é que a lei brasileira dá um valor certo – 50km – e não um percentual. Logo, se a via permitia 30km por hora, o motorista precisa estar a 170% acima da velocidade permitida, enquanto em uma via cuja velocidade máxima é 110km, ele precisa estar acima ‘apenas’ 45% acima da velocidade máxima. Boa parte dos países usa um percentual ou valores escalonados, em vez de um valor fixo, independente da velocidade permitida na via.
Culpa e responsabilidade
Ninguém pode ser considerado culpado pela própria morte. Você não pode ser punido por cometer um crime contra si mesmo. Se você tentar se matar e não morrer, você não pode ser punido por tentativa de suicídio (nem homicídio!), e se você jogar uma pedra contra sua própria janela você não será punido por dano ao patrimônio.
No caso acima, a embriaguez da vítima não a torna culpada pela própria morte. Apenas pode torna-la parcialmente responsável pela própria morte.
Antecedentes e conduta social
A matéria diz que o acusado tem 11 infrações de trânsito, das quais 9 são por excesso de velocidade. Mas sua conduta passada não o torna mais suscetível de ser condenado agora. Antecedentes (condenações anteriores) e conduta social influenciam no tamanho da pena, mas não se o acusado será condenado. Primeiro, ele precisa ser condenado. Só então é que se decide o tamanho da pena.
Outro exemplo: um criminoso com várias condenações por homicídio é, agora, acusado de atirar e matar a namorada. O fato de já ter tido várias condenações no passado não o torna mais suscetível de ser condenado por esse novo crime. Se no dia do crime ele estava do outro lado do planeta, ele não pode ter atirado contra a namorada! Mas, se ele for condenado, aí sim, seus antecedentes e sua conduta social vão ser levadas em conta para estabelecer uma pena maior contra ele.