“'Quando a gente erra, há leis', diz Aranha
No jogo entre Grêmio e Santos, pela Copa do Brasil, no último dia 28, Patrícia foi flagrada por uma câmera da ESPN Brasil chamando o jogador de ‘macaco’. Ela poderá ser indiciada por injúria racial. A pena máxima para este crime é de três anos de prisão.
Chorando, a torcedora fez um pronunciamento em Porto Alegre, nesta sexta (5), pedindo desculpas a Aranha.
‘Da minha parte, como cristão, como ser humano, eu precisava do pedido para desculpá-la. Isso não quer dizer que eu não quero que a justiça seja feita. Ela errou, tem as consequências. Como pessoa, a desculpo. Mas quando a gente erra, há leis para isso’, disse o goleiro após o triunfo do Santos por 3 a 1 sobre o Vitória, pelo Campeonato Brasileiro (...)
Programas de TV como o 'Fantástico', da Rede Globo, tentaram promover o encontro. Ela mesmo disse querer pedir perdão pessoalmente.
‘Não tem motivo para isso. Algumas pessoas poderiam achar que eu estava querendo me promover e isso atrapalharia a causa [da luta contra o racismo]. Não sou amigo dela, nunca fui e nem tenho interesse em conhecê-la. Ela pediu desculpas, está desculpada. Mas tem de pagar’, repetiu o jogador.”
Se Zezinho mata Huguinho, não adianta a família de Huguinho perdoar Zezinho: ele será processado e condenado. Se Zezinho deixa Huguinho paraplégico, ocorre a mesma coisa. Isso porque quem move a ação é o Ministério Público e ao MP não importa se a vítima ou seus representantes perdoam. É o que os juristas chamam de ação penal pública. O direito de mover a ação penal é do MP e não da vítima ou de seus representantes legais. Essa é a regra geral para quase todos os crimes no Brasil.
A lógica para isso é simples: se Zezinho mata Huguinho, a probabilidade de Zezinho matar Huguinho novamente é zero. A chance de ele deixar Huguinho paraplégico novamente é zero e de machucá-lo de outra forma é muito reduzida. Mas a possibilidade de Zezinho cometer um crime contra outra pessoa é grande: ele demonstrou que não se importa com as normas de conduta social, leis ou bem estar alheio.
Podemos até não saber quem será sua próxima vítima, mas sabemos que há grande probabilidade de ele matar alguém. Daí caber ao MP mover a ação.
Mas a lei sabe que, em alguns tipos de delito, o interesse em mover a ação contra o criminoso é muito maior da vítima (ou seus representantes) do que da sociedade. É o que os juristas chamam de ação penal privada.
Os crimes contra a honra – calúnia, difamação e injúria – são crimes de ação penal privada. Se o ofendido não se sente ofendido, não há que se falar em crime contra a honra. Se a vítima decide perdoar o criminoso, não há processo. Afinal, cabia a ela mover a ação penal.
Se a vítima se sente ofendida mas diz que perdoa, cria-se um paradoxo: ou ela não perdoou e disse o que disse apenas como ferramenta de marketing pessoal ou para lidar com seu sentimento de culpa pelas potenciais consequências da ação penal (e nesse caso a ação penal pode ser iniciada), ou de fato perdoou (e nesse caso não há ação penal).
Aqui há um detalhe importante: nos crimes de injúria racial, quem de fato move o processo é o MP, mas apenas após representação da vítima. Ou seja, sem que a vítima peça, o MP não inicia o processo contra o suposto criminoso. Mas, uma vez que o processo seja iniciado, fica a cargo do MP levá-lo adiante.
No caso da reportagem acima, se o goleiro de fato perdoou, ele não vai pedir ao MP para iniciar o processo. Se não perdoou e disse o que disse apenas para se livrar da imprensa, fará representação ao MP para que ele mova a ação penal. E se esta última via for sua opção, encontrar-se com quem ele diz que o ofendeu para fazer um programa de TV poderia, mais adiante, ser usada pela defesa para pedir ao magistrado que não aceite a ação proposta pelo MP ou que a pena aplicada seja a mínima possível, pois o comportamento da vítima em relação à suspeita demonstraria que ela não sofreu danos.
PS: no caso da calúnia e da difamação, se o querelado se retrata antes da sentença, ou seja, se desmente e diz que o que disse era mentira, pede desculpas etc, ele fica isento da pena. Mas no caso da reportagem acima, trata-se de injúria (o menos grave dos crimes contra a honra) que não possibilita a retratação como meio de isenção da pena.