“Filho de Eduardo Coutinho é indiciado sob suspeita da morte do pai
O delegado-chefe da Divisão de Homicídios do Rio, Rivaldo Barbosa, que investiga a morte de Eduardo Coutinho, disse que o crime é "uma expressão genuína da palavra tragédia", provocada por um surto psicótico do filho do cineasta, Daniel Coutinho, 41.
Daniel foi indiciado sob suspeita de homicídio do pai e tentativa de homicídio da mãe. Também ferido com duas facadas no abdome, ele será preso quando sair do hospital, onde permanece sob custódia da polícia. Não há previsão de alta.
Segundo o delegado, Daniel esfaqueou primeiro o cineasta e, depois, partiu para desferir cinco golpes na mãe, Maria das Dores Oliveira Coutinho, 62. Mesmo ferida, ela conseguiu se trancar no banheiro e ligar para outro filho do casal, que não morava no apartamento onde ocorreu o crime, na manhã deste domingo (2), na Lagoa (zona sul do Rio).”
Para que alguém seja responsabilizado por um crime são necessários três pilares.
O primeiro é que a pessoa pudesse agir de forma diferente. Ou seja, que fosse exigível dela uma conduta diversa da que teve. Se sua conduta foi razoável dadas as circunstâncias, não há responsabilização. Se o criminoso aponta a arma para Beltrano e ordena Beltrano a atirar e matar Fulano, embora Beltrano tenha matado Fulano, ele não pode ser responsabilizado porque não era possível exigir de Beltrano uma conduta diversa da que ele teve. Qualquer outra pessoa normal teria agido de forma similar.
O segundo é a consciência da ilegalidade do que está fazendo.
É verdade que não podemos alegar que desconhecemos as leis, mas às vezes as circunstâncias, questões técnicas ou fatos são tão complexos que não é possível dizer que a pessoa sabia que estava cometendo um delito. Se você vai à loja e compra um programa de computador que acha ser original, sem saber que ele é de fato uma cópia pirata, você não pode ser responsabilizado porque não sabia que estava comprando um produto pirata. Se o matuto no meio da floresta corta uma árvore para obter lenha para sua cabana, ele não deve ser responsabilizado se mais adiante descobrir-se que era árvore de uma espécie protegida. Mas se o madeireiro o faz, ele pode ser responsabilizado porque ele tinha consciência do que fazia.
O terceiro é a imputabilidade. A princípio, todos temos a capacidade de entender o que estamos fazendo e nos determinarmos de acordo com esse entendimento. Mas é óbvio que isso não é verdade. Uma criança não sabe o que faz. Da mesma forma, um louco também não sabe o que faz.
Mas o que chamamos comumente de loucura não é algo tecnicamente preciso. Para a nossa lei, “é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” e “a pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.
Quando a pessoa é inteiramente incapaz, a lei a isenta de pena. Quando ela não é inteiramente incapaz de entender o que estava fazendo ou de se controlar, ela é punida, só que sua punição é diminuída de um a dois terços.
Óbvio que o magistrado não é a pessoa ideal para analisar se alguém sabia o que estava fazendo ou podia se controlar no momento do crime. O magistrado não entende de esquizofrenia, psicoses ou qualquer outra perturbação mental. Essa análise é apresentada no laudo pericial, baseada em um exame médico-legal (incidente de insanidade mental), feita quase sempre a pedido da defesa, mas que pode ser ordenada pelo magistrado sem que ninguém tenha pedido, ou mesmo requisitada pela acusação.
Mas isso quer dizer que se o louco provar que é louco ele estará livre?
Não. Embora ele seja considerado inimputável, se ficar provado que ele é quem cometeu o ato considerado delituoso, a Justiça precisará proteger a sociedade do louco (e vice-versa). É por isso que nossa lei prevê a chamada absolvição imprópria.
Na absolvição imprópria, o magistrado conclui que fulano fez o que a acusação alegou que ele fez, que se ele fosse mentalmente capaz ele seria punido como qualquer outro criminoso, mas que como o acusado era incapaz de entender o que estava fazendo, a pena prevista na lei não pode ser imputada a ele. Em vez disso, o magistrado ordena que ele seja internado (nos casos de crimes mais severos, que normalmente seriam punidos com reclusão, como no caso do homicídio) ou que receba tratamento ambulatorial (nos casos de crimes mais leves, que normalmente seriam punidos com detenção, como, por exemplo, no caso da lesão corporal culposa).