“Motociclista mata dois, frustra assalto na zona sul e desaparece
Uma aeromoça e seu filho de três meses escaparam anteontem de um roubo após um motoqueiro desconhecido matar dois dos três bandidos que abordaram o veículo em que os dois estavam em Santo Amaro, zona sul de São Paulo (…)
Ao parar no cruzamento entre as avenidas Nossa Senhora de Sabará e Washington Luís, por volta das 21h, ela foi abordada pelos três homens.
Um dos assaltantes tinha uma arma de brinquedo. A vítima disse que pediu calma aos criminosos e que iria apenas pegar seu bebê no banco de trás, mas foi informada de que deveria seguir com eles.
Quando ia descer do banco do motorista, ouviu um tiro e um dos assaltantes caiu morto em seu colo -foi quando ela viu o motociclista (…)
Segundo a motorista, quando ela conseguiu sair de seu carro, um Honda CRV branco, o motociclista não estava mais lá. ‘Vai ver ele nem existe, é um anjo’, disse ela à reportagem. Em seguida, policiais militares chegaram ao local.
Segundo a polícia, o outro assaltante morto, Matheus Batista Neves, 20, foi encontrado a cerca de dez metros do automóvel, de bruços, com um tiro na cabeça.
O terceiro homem, Carlos Henrique dos Santos, 21, foi preso nas proximidades enquanto tentava fugir.
Ele foi detido em flagrante e levado ao DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa). Será indiciado sob suspeita de roubo.
O DHPP investiga o caso como um duplo homicídio.”
Quatro lições dos dois últimos parágrafos.
No penúltimo parágrafo, a matéria diz, erroneamente, que o criminoso será indiciado sob suspeita de roubo. Impossível, pois não houve roubo: houve tentativa de roubo.
Só há roubo quando o criminoso tira a coisa da vítima. Existe um longo debate entre juristas se, depois de retirar a coisa, ele precisa ter a posse pacífica para consumar o roubo. Um exemplo desse debate: imagine que o criminoso roube a carteira da vítima mas o policial que presenciou o crime sai correndo atrás do bandido e o prende logo em seguida. O bandido teve a posse da carteira, mas não a posse pacífica. Ele cometeu roubo ou apenas tentativa de roubo?
Mas no caso da matéria acima, esse debate é irrelevante: os três bandidos não chegaram a pegar nada da vítima. Logo, qualquer uma das duas correntes doutrinárias gera o mesmo resultado: não houve roubo, mas apenas a tentativa de roubo.
Já o último parágrafo diz que o caso é investigado como duplo homicídio.
O criminoso pode ser vítima de um crime enquanto cometia um crime. Ou, visto de outro ângulo, a vítima de um crime (ou uma terceira pessoa) não tem direito de cometer um outro crime contra o bandido. O bandido não perde seus direitos e se torna um alvo legítimo apenas por estar cometendo um crime.
Mas, e essa é a terceira lição, ela pode se defender ou defender uma terceira pessoa (como aconteceu na matéria acima). É o que chamamos de legítima defesa. Na legítima defesa, uma conduta que seria criminosa deixa de sê-lo porque visava proteger um bem jurídico de valor igual ou maior àquele ameaçado por um perigo imediato.
No caso da matéria acima, pode ter havido a legítima defesa de terceiro. Isto é, o que normalmente seria considerado homicídio deixa de sê-lo porque serviu para proteger um bem jurídico igual ou superior ao ameaçado.
Mas isso não contradiz a segunda lição?
Não. Vai depender de uma análise factual: se as circunstâncias indicavam que os criminosos queriam apenas os bens materiais da vítima, não houve legítima defesa porque o bem jurídico protegido (bens materiais) é menor do que aquele que foi destruído no desforço da vítima (vida do criminoso). Já se era possível e provável que eles poderiam ferir gravemente ou matar a vítima ou seu bebê, é possível alegar legítima defesa.
A última lição é que mesmo que não tenha ocorrido legítima defesa de terceiro, a vítima (no caso, a motorista e seu bebê) não tem nada a ver com o crime cometido contra o bandido que a ameaçava. Ela é apenas vítima. Ela não pode ser responsabilizada pelo homicídio cometido contra os dois bandidos que a abordaram.