“Delegado diz que laudo pode isentar Thor
Thor Batista, 20, pode se livrar da acusação de homicídio culposo -quando não há intenção de matar- se o laudo da perícia apontar que ele dirigia abaixo da velocidade permitida (110km/h) quando atropelou o ciclista Wanderson Pereira dos Santos (…)
Segundo testemunhas ouvidas pela polícia, o ajudante de caminhoneiro Wanderson Pereira dos Santos estaria ‘no meio da pista’ quando foi atropelado pela Mercedes SLR McLaren prata conduzida por Thor (…)
O advogado de Thor, Celson Vilardi disse que ‘a versão de trafegar no acostamento não existe’ e que houve a ultrapassagem de um veículo, mas que ela teria ocorrido antes do acidente.
Quanto aos 51 pontos que há na carteira de habilitação de Thor (…) Vilardi afirmou que o jovem anda com seguranças e motoristas e será feito um levantamento para determinar quem pode ter praticado essas infrações”
Deixando de lado a controvérsia sobre se o suspeito é culpado (isso só a Justiça decide, e não o delegado, e ele deve ser considerado inocente até que se prove em contrário), há algumas lições para serem aprendidas nesse caso:
Se a pessoa quer matar, ou assume o risco de matar (dirigindo acima da velocidade ou embriagada ou drogada, por exemplo), ela comete homicídio doloso. Se a pessoa não quer matar, mas acaba matando por negligência, imprudência ou imperícia, ela comete homicídio culposo. O mesmo ocorre se ela sabe que há um risco mas acha que não causará o acidente porque é muito ‘boa de volante’ (isso é o que os juristas chamam de culpa consciente). Por fim, se a pessoa mata sem querer e sem ser negligente, imprudente ou imperita, o que houve foi uma fatalidade, e não um crime. Nesse último caso, quem matou não é punido criminalmente.
Agora vamos pensar nos dois principais pontos do caso acima.
Primeiro, onde a vítima estava. Se ela estava no acostamento e o motorista dirigia no acostamento, ele está assumindo um risco desnecessário porque dirigir pelo acostamento vai contra a lei. Se atropelar alguém, ele terá cometido homicídio culposo (porque foi imprudente) ou mesmo doloso (pois assumiu o risco de matar alguém dirigindo em um lugar no qual se sabe que pode haver ciclistas ou pedestres). O mesmo vale no caso de um canteiro central.
Mas e se o ciclista estava no meio da pista?
Ainda assim o motorista deve tomar cuidado para não mata-lo. Não é porque uma o ciclista está no meio da estrada que o motorista adquire o ‘direito de passar por cima’. Não importa que o ciclista estivesse errado: o erro de um não justifica o erro do outro. Se o ciclista, pedalando no meio da pista, causa um acidente, ele vai responder pelo dano que causar. Mas isso não cria um ‘crédito’ para outros o atropelarem. Imagine o absurdo que seria se você visse um motorista no meio da pista e, por ele estar no lugar errado, você acelerasse para mata-lo porque ele estava no lugar errado e você soubesse que o erro dele justificaria seu erro.
O que muda é que o meio da pista de uma estrada não é um local onde se espera encontrar um ciclista. Logo, o que será considerado imprudência muda. Se você se vir forçado a trafegar pelo acostamento, deve dirigir com cuidado redobrado e velocidade muito reduzida porque sabe que ali é um lugar no qual pode haver ciclistas e pedestres. Mas o meio da pista não é um lugar onde você espera encontrar tais pessoas. Logo, seu padrão de cuidado deve ser o mesmo de qualquer outro motorista prudente: dirigir dentro da velocidade permitida, na sua faixa, ultrapassar com cuidado etc. E frear, desviar ou tentar evitar que acidentes ocorram, se perceber algo errado. Se você falhar com esse dever de prudência, não pode alegar depois que foi uma casualidade: você tinha um dever que deixou de cumprir e trouxe para si a responsabilidade. Mas, se não falhou nesses deveres, não pode ser culpado por uma fatalidade.
O segundo elemento são os pontos na carteira. E aqui a coisa complica.
Os pontos ‘pertencem’ ao motorista e não ao veículo. Se você está dirigindo quando já passou do limite de 20 pontos permitidos, você sabe (ou deveria saber: afinal recebeu e pagou a multa na qual constam os pontos) que não deveria estar atrás do volante. Se está dirigindo depois de ultrapassar o limite de pontos, você, no mínimo, está sendo negligente e sabe que não tem a perícia necessária para dirigir um veículo (alguns juristas dizem que pode mesmo estar assumindo o risco de matar, justamente por saber que não sabe dirigir como uma pessoa normal). Se você dirige com sua carteira suspensa/apreendida, isso agrava seu crime (art, 298, IV, do Código de Trânsito).
E se eram os seguranças que dirigiam o carro, e acumularam os pontos? Nesse caso, óbvio, os pontos não pertencem ao suspeito. Mas aí entra um outro tipo de falha: os pontos existem para impedir o mau motorista de dirigir. Se você sabe que outra pessoa é quem deve acumular aqueles pontos, você tem a obrigação de informar a autoridade responsável. Você não pode simplesmente aguardar para saber quem tem mais pontos no fim de doze meses para decidir se diz ou não ao Detran que não era você o responsável por aquela infração.