“O número de divórcios em São Paulo cresceu 286% na comparação entre o primeiro semestre deste ano e o mesmo período do ano passado.
O aumento está ligado à emenda constitucional 66, que instituiu no país o ‘divórcio rápido’ em cartório a partir de julho de 2010.
Segundo o CNB (Colégio Notarial do Brasil) de São Paulo, entre janeiro e junho de 2011 os cartórios paulistas realizaram 6.721 divórcios ante 2.348 no primeiro semestre do ano passado.
Caso o crescimento seja mantido na média mensal atual, haverá mais de 13 mil divórcios em São Paulo neste ano. Em 2010, foram 9.306 (…)
Antes da nova lei, só era possível pedir o divórcio depois de um ano da separação formal -judicial ou no cartório – ou depois de dois anos da separação de fato -quando o casal deixa de ter vida em comum (…)
Na escritura emitida pelo cartório, o casal poderá definir questões como a partilha dos bens e até o pagamento ou a dispensa de pensão alimentícia.
Há, porém, duas condições para o ‘divórcio rápido’: deve haver consenso e não podem existir filhos menores de 18 ou incapazes.
Os cartórios de notas realizam separações e divórcios consensuais desde 2007, quando foi aprovada a lei 11.441/07 - que desburocratizou o procedimento.
De acordo com o CNB-SP, a lei tirou mais de 160 mil processos do Poder Judiciário”
Antes de deduzirmos que a nova regra aumentou o número de divórcios, existem três pontos importantes que precisamos levar em conta:
Primeiro, o último parágrafo diz que a lei de 2007 foi responsável por tirar do Judiciário mais de 160 mil processos. Ou seja, aquela lei não aumentou o número de divórcios, apenas os transferiu do Judiciário para os cartórios. O mesmo pode estar acontecendo nesse momento com a regra constitucional aprovada em 2010.
Para ficar mais claro: imagine que você pode comprar laranjas tanto no supermercado quanto na feira livre. O supermercado dá mais trabalho porque fica do outro lado da cidade e é mais caro. Já a feira livre é mais barata e acontece na frente de sua casa. Mas antes a feira acontecia apenas uma vez por mês e você se via obrigado a ir ao supermercado outras três semanas por mês para comprar laranjas. Agora a feira acontece todas as semanas e você não precisa mais comprar laranjas no supermercado. O fato de o número de laranjas que você compra na feira livre ter aumentado não quer dizer que você está consumindo mais laranja: você simplesmente deixou de comprar no supermercado.
Com a nova regra Constitucional, um maior número de casos de divórcios (as laranjas) pode ser resolvidos nos cartórios (as feiras livres) em vez de no Judiciário (os supermercados), logo, em vez de começar processos no Judiciário, as pessoas resolvem tudo no cartório. Portanto é essencial olhar o número total de pedidos de divórcios no estado (Judiciário + cartórios) e não apenas nos cartórios. Como a matéria não diz se os 6.721 divórcios são só aqueles iniciados nos cartórios ou se incluem aqueles iniciados no Judiciário e informados aos cartórios, não dá para saber do que ela está tratando.
Segundo, ainda que o número total no estado tivesse aumentado (a matéria não fala a respeito), isso não quer dizer que um maior número de relacionamentos esteja chegando ao fim por causa da nova lei. A lei pode simplesmente estar ajudando a regulamentar uma situação que de fato já existia. As pessoas já estavam vivendo de fato como divorciadas (morando em casas diferentes, tendo novos relacionamentos e famílias etc) e a nova lei pode ter apenas legalizado essa situação.
De qualquer forma, para responder a segunda questão, a matéria deveria, também, ter informado não só o número de divórcios no estado, mas também o número de separações de fato e de direito. Isso porque até a nova regra constitucional de 2010, havia um meio termo entre o casamento e o divórcio: a separação, em que as pessoas continuavam legalmente casadas, mas já não tinha as obrigações de um casal, ou seja, já não funcionavam como um casal.
Voltando à nossa analogia, precisamos saber a quantidade de tangerinas (separações) que você comprava também. O número de laranjas pode ter aumentado, mas o número de tangerinas diminuído. E talvez mais importante do que saber o número de laranjas que você compra todos os meses, é saber o número de frutas cítricas que você compra, já que um tipo de fruta pode estar sendo substituído por outro.
Por fim, ainda que o número de laranjas e tangerinas tenha aumentado, as leis são novas e já vimos a tal da curva-S aqui: algo que começou desconhecido em 2007 e 2010 de repente passa a ser conhecido por uma grande parte da população, que se utiliza dessa nova regra, mas isso não quer dizer que os números continuarão crescendo nesse ritmo. Como em toda curva-S, depois de um certo ponto, o ritmo de crescimento volta achatar-se e, às vezes, até diminui.
Voltando pela última vez à nossa analogia: o número de frutas cítricas consumidas pode estar de fato aumentando, mas porque até então só se vendia banana naquela cidade, e muita gente agora sabe que há outras frutas para serem compradas. Muita gente vai experimentar as novas frutas mas o aumento do consumo dessas frutas não é permanente: depois de um certo tempo o ritmo de aumento diminui e pode até se tornar negativo
E dá para ter certeza que a curva-S vai se achatar novamente, isto é, que o ritmo de crescimento do número de divórcios vai diminuir? Nesse caso em específico dá por uma razão muito simples: ainda que o número atual de 6.721 divórcios nos primeiros 6 meses do ano seja do total de divórcios no estado, aumentando no ritmo em 286% ao ano isso daria algo 89 milhões de novos divorciados por ano em São Paulo em 2017. E o estado, contando com recém nascidos, crianças, adolescentes, viúvas, padres e solteirões convictos, tem apenas 41 milhões de habitantes e 7,9 milhões de casais. Ou seja, ainda que tenha ocorrido um aumento real (não sabemos se isso ocorreu), o atual ritmo de crescimento seria estatisticamente insustentável mesmo no médio prazo.
Esse tipo de análise tem de ser cuidadosa porque por trás dos números existem grandes grupos de pressão a favor de um tipo ou outro de leis. Por exemplo, alguns grupos religiosos podem usar dados como os apresentados na matéria acima para se oporem a leis mais liberais em relação ao casamento. É por isso que esses dados estatísticos precisam ser sempre bem analisados.