“Juiz dificilmente vai autorizar Dirceu no hotel
No cenário atual, parece difícil que a Vara de Execuções Penais do Distrito Federal permita que o ex-ministro José Dirceu assuma o cargo de gerente do hotel Saint Peter, em Brasília, como quer seu advogado (…)
A situação não era favorável a Dirceu mesmo antes da revelação, no ‘Jornal Nacional’ de ontem, de que um laranja panamenho era o controlador da empresa que fazia a gestão do Saint Peter quando a oferta de emprego ao ex-ministro foi concretizada. O benefício de trabalhar durante o dia fora da cadeia só é concedido quando o objetivo de ressocialização do detento é considerado factível pela Justiça.
Colocar um condenado por corrupção dentro de um hotel com mais de 400 quartos e várias possibilidades de manter contatos políticos e empresariais é, na opinião de uma pessoa próxima do caso, ‘parecido com deixar um alcoólatra em recuperação trabalhando em um bar’”.
A base jurídica que tenta incentivar o criminoso condenado a trabalhar e ter bom comportamento é (a) mostrar ao preso que o trabalho e o bom comportamento compensam; (b) dar ao preso a oportunidade de voltar a ser um membro produtivo da sociedade; e (c) possibilitar ao preso aprender ou manter habilidades ou conhecimentos profissionais ou técnicos que lhe serão úteis quando sair da prisão, evitando, assim, que ele se veja forçado a cometer novos crimes para se sustentar ao terminar de cumprir sua pena.
Se o trabalho ao qual o preso tem acesso compromete um ou todos esses pilares, é melhor manter o condenado preso. Assim, evita-se piorar o problema.
Por outro lado, é muito difícil – para não dizer impossível – achar um trabalho que realmente garanta a ressocialização porque, dadas as inclinações de uma pessoa, há possibilidades e tentações para se cometer crime em toda profissão e cargo.
Ou seja, não há emprego ideal, mas há empregos que são claramente inadequados. O problema do magistrado responsável pela execução da pena é identificar se um determinado cargo é claramente inadequado ou se ele apenas não é o ideal. Se o magistrado for esperar por um cargo ideal para a ressocialização do criminoso, este jamais trabalhará fora da prisão. E aí é que a ressocialização não acontecerá mesmo.
Mas existe um segundo nível nesse debate: a remição.
Para cada três dias trabalhados, o preso tem um dia de pena descontado. Logo, se um condenado tem 10 anos e 10 meses de pena a cumprir em regime fechado, por exemplo, e ele trabalhar (ou estudar) a partir do primeiro dia, ele terá sua pena reduzida para algo como 8 anos, um mês e meio.
Ora, se o trabalho é claramente inadequado, a o desconto na pena a ser cumprida aconteceria com base nesse trabalho inadequado. Guardadas as proporções da analogia citada na reportagem, seria como dizer ao alcoólatra que seu internado seria reduzido por ele trabalhar em um local no qual ele estará ajudando outras pessoas a se embebedarem, ou se embebedando. Ou seja, a lei estaria dando incentivo na direção oposta àquela que deseja dar ao possibilitar o desconto na quantidade de pena a ser cumprida.
Vale lembrar que o tempo remido é considerado como pena cumprida. Logo, ele conta para a progressão ao regime semiaberto ou aberto, e para a obtenção da liberdade condicional. No exemplo acima de 10 anos e 10 meses de pena a ser cumprido inicialmente em regime fechado, em vez de precisar cumprir 21 meses e meio até chegar ao regime semiaberto, ele precisaria cumprir apenas pouco mais de 16 meses. Cinco meses a menos em regime fechado.