“Um estudante do 8º ano do ensino fundamental de uma escola pública de Campo Grande foi forçado a entregar ao menos R$ 1 mil a um ex-colega de sala da mesma idade por conta de seguidas ameaças de espancamento e até de morte. As ameaças já duravam um ano.
Além do dinheiro, o menino de 13 anos era obrigado a copiar atividades e fazer tarefas ao aluno agressor, informou a delegada Aline Finnott Lopes, chefe da Deaij (Delegacia de Atendimento a Infância e Juventude), que cuida do caso como extorsão.
Embora o episódio tenha sido divulgado somente nesta segunda (23), na quarta-feira passada a policial apreendeu o adolescente pegando R$ 50,00 da vítima num terminal de ônibus da cidade.
A delegada informou que a ocorrência pode ser tratada como bullying porque outros dois colegas do estudante também teriam tirado dinheiro do estudante mediante ameaça de morte. O bullyng, no entanto, não é tido como crime (...)
O garoto disse à delegada que no início das ameaças o colega exigia dele apenas que copiasse as atividades escritas pela professora e fizesse as tarefas, caso contrário poderia apanhar no fim das aulas. A delegada disse que investiga uma situação ocorrida no ano passado, quando o estudante teria sido surrado por desobedecer à imposição do colega.
'Com o passar dos dias o agressor exigiu dinheiro do estudante', Aline Lopes. O menino pegava dinheiro dos pais, donos de um supermercado, e entregava ao colega sem revelar as ameaças a ninguém. 'Ele tinha medo, daí o silêncio', disse a delegada.
No meio do ano passado, as ameaças foram reveladas a direção da escola, mas a apuração não seguiu adiante porque o aluno agressor prometeu que não ia mais importunar o colega, segundo a delegada.
Mas isso não aconteceu. O estudante agredido continuou fazendo as tarefas e copiado as atividades escolares para o colega, sempre sob ameaças, incluindo de morte.
A mãe do menino soube do caso na semana passada por meio de uma colega da família. Alunos da mesma sala também sabiam das ameaças, mas temiam represálias, por isso teriam mantido o caso em segredo, segundo Aline Finott.
Os pais denunciaram o caso à polícia e a delegada disse ter feito uma campana por duas horas num terminal de ônibus. O agressor foi aprendido em flagrante logo que pegou o dinheiro. Antes, a mãe do menino ouviu o diálogo por telefone entre o filho e o agressor, que exigiu o dinheiro. (...)
A delegada disse já ter concluído o inquérito e o mandado ao Ministério Público Estadual que deve se pronunciar acerca do caso ainda nesta semana.
Em São Paulo, um anteprojeto ainda debatido pode considerar a violência intencional contra alunos e colegas como crime. Se aprovado essa prática pode motivar uma pena de um a quatro anos de reclusão, mais pagamento de multa”
Há vários lições importantes sobre direito que podemos aprender aqui:
Primeiro, a matéria diz que bullying não é tido como crime. Isso porque o termo bullying não existe em nenhuma lei penal brasileira. Assim como os termos ‘assalto’, ‘assassinato’ e ‘ataque sexual’, ‘bullying’ é um termo usado na linguagem comum e espalhado por jornais, mas que não tem nenhum sentido técnico. Você nunca verá, por exemplo, alguém sendo condenado pelo assassinato de outra pessoa. Você verá a pessoa sendo condenada por homicídio, latrocínio etc. Esses, sim, são crimes previstos pelas leis brasileiras. Isso é consequência do princípio do nullum crime sine lege, do qual já falamos aqui. Não é possível condenar alguém por cometer um crime que não está previsto na lei.
No caso da matéria acima, trata-se de uma extorsão, da qual também já falamos aqui.
A segunda lição está no último parágrafo, que diz que São Paulo está debatendo um projeto que criminaliza a prática de bullying. Pois bem, isso é impossível. Por que? Porque apenas a União pode legislar sobre matéria criminal. Estados e municípios não podem, nunca, criar, modificar ou revogar leis criminais. Portanto, ‘São Paulo’, seja o estado, seja o município, não pode criminalizar essas condutas. Se quisermos criminalizar essa conduto, precisamos pressionar não os deputados estaduais e os vereadores, mas o senadores federais e os deputados federais. Esses, sim, podem legislar a respeito do assunto.
Por fim, reparem que a matéria diz que o adolescente (para a lei, adolescentes são os que têm entre 12 e 18 anos) que extorquia foi apreendido. O termo está correto. Ele não foi preso. Para a lei brasileira, menores de idade (crianças e adolescentes) não cometem crimes, eles cometem atos infracionais quando praticam os atos que a lei penal define como delituosos se forem praticados por adultos. É também por isso que eles não são condenados: eles são submetidos a medidas socioeducativas. A idéia é que não devem ser punidos, mas reeducados.