“A implantação do processo eletrônico caminha lentamente no Judiciário, quase cinco anos depois da edição da lei que autorizou a informatização - nº 11.419, de dezembro de 2006. Apenas 2% das 3,3 milhões de ações que ingressaram na Justiça do Trabalho no ano passado estavam em formato digital. Na esfera estadual, somente 6% dos 17,7 milhões de processos. As informações constam do relatório Justiça em Números 2010, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O processo eletrônico só deslanchou na esfera federal. O índice variou de 43% na 3ª Região, que abrange os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, a 82% na 4ª Região, que engloba a região Sul do país. Em 2010, 67% das 3,2 milhões de ações que ingressaram na Justiça Federal estavam em formato digital - seis pontos percentuais a mais em relação a 2009. Apenas os Juizados Especiais Federais e as Turmas Recursais de duas regiões (3ª e 5ª, que atende seis Estados do Nordeste) alcançaram 100% de virtualização no ano passado.
Na esfera estadual, o crescimento entre 2009 e 2010 foi de apenas dois pontos percentuais - passou de 4% para 6%. De acordo com o relatório Justiça em Números, o nível de informatização varia muito entre os Tribunais de Justiça (TJs). Em Roraima, 52% dos processos ingressaram por meio eletrônico. Nos Estados do Amapá e Rio Grande do Sul, tudo continuava em papel. Rio de Janeiro e Paraná tiveram apenas 0,4% de informatização - 6.607 e 3.246 ações, respectivamente. (...)
Mas a situação deve mudar com a adoção do Processo Judicial Eletrônico (PJe), sistema desenvolvido pelo CNJ em parceria com os tribunais para atender todos os segmentos do Judiciário.”
A matéria fala da adoção da via digital para a tramitação dos feitos judiciais. O objetivo do legislador é que, em alguns anos, o processo judicial tradicional, com suporte físico em papel, fosse substituído pelo eletrônico, com suporte, preferencialmente, na internet.
O objetivo não é alterar o conteúdo ou a sequência dos atos processuais (como, por exemplo, prevê o projeto de Novo Código de Processo Civil), ou seja, o objetivo aqui não é de conteúdo, e sim de forma. Os mesmos atos processuais são praticados, mas não mais em papel e sim eletronicamente.
Mas isso não é trocar seis por meia dúzia? Não. Na verdade, quase sempre subestimamos a importância que coisas mundanas têm em um processo. Um exemplo simples: você já viu um advogado carregando um processo? Você viu onde ele coloca o processo quando está andando com ele para cima e para baixo? Isso mesmo, debaixo do braço. Sem entrar em detalhes da fisiologia humana, o suor é um ácido, e ácidos têm o dom da destruição. As capas dos processos em pouco tempo precisam ser substituídas. Você já imaginou quanto tempo e dinheiro se gasta substituindo as capas de milhões de processo todos os anos por conta desse detalhe anatômico? E quanto isso atrasa uma sentença?
Pois bem, as vantagens da substituição de um processo no papel por um eletrônico vão muito além do óbvio benefício ecológico: os custos processuais diminuem, a celeridade aumenta, as informações processuais tornam-se mais acessíveis e a prática dos atos processuais pelas partes e pelo juiz mais fácil. Como a comunicação processual passa a se dar por meio eletrônico, seus custos caem, assim como o tempo gasto fazendo essas comunicações.
No processo tradicional, uma petição deve ser (i) protocolizada (o que, em geral, ocorre em local físico distinto de onde os processos estão); (ii) remetida e juntada ao processo (o que demanda trabalho de escreventes judiciais); (iii) analisada pelo juiz (o que requer que o processo seja enviado ao seu gabinete, em horário de expediente); e, se for o caso, (v) disponibilizada para vista à parte contrária por meio de publicação em diário oficial. Tais atos facilmente consumiam semanas ou até meses em alguns órgãos judiciais.
Já no processo eletrônico, todo esse trâmite é feito instantaneamente, pois, no ato do protocolo, o próprio advogado já “junta” a petição aos autos eletrônicos, o que faz com que ela fique imediatamente acessível ao juiz e à parte contrária. Além disso, como o suporte está na internet, todos podem consultar os autos 24 horas por dia, 7 dias por semana, inclusive simultaneamente (o que é impossível num processo físico: tente imaginar o é você e seu ex-cônjuge tentando ler um livro de mil páginas juntos). Além disso, os interessados não precisam ir ao fórum para ter acesso ao processo: podem consultar um processo do Rio Grande do Sul num momento e, no momento seguinte, ver outro em Roraima.
No entanto, se a implantação do processo eletrônico traz tantas vantagens, por que até agora tem caminhado tão lentamente?
A resposta a esta pergunta passa por quatro pontos. Primeiro, pela escassez de recursos. Implementar um sistema desses, e que seja seguro (imagine o risco de alguém ter acesso a um processo em segredo de justiça ou de o processo ser ‘apagado’), é muito caro. Segundo, precisa-se de regras claras sobre como o sistema irá funcionar e quem pode fazer o que nele. Terceiro, não basta implementar um sistema e ter regras para seu uso: precisa-se treinar quem vai usar. E tecnologia pode ser alo desafiador para magistrados, servidores públicos e advogados que foram educados na época da máquina de escrever. E, por fim, vontade política. Um sistema como esse possibilita maior monitoramento. Fica fácil saber há quanto tempo o juiz não olha determinado processo, e quem está fazendo corpo mole. E, óbvio, algumas pessoas não vão ficar satisfeitas com isso.
Mas existe uma outra razão muito importante: padronização. Reparem que a matéria termina noticiando a criação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de um novo sistema de tramitação dos feitos judiciais: o Processo Judicial Eletrônico (PJe).
A maior parte dos processos no Brasil correm nas justiças estaduais. E cada estado, em teoria, poderia desenvolver seu próprio sistema (imagine os problemas com carteiras de identidade ou registro de veículos, multiplique-os infinitamente, e você terá uma ideia da dor de cabeça que isso poderia ser: uma verdadeira ‘torre de babel jurídica’).
Na verdade, a torre já havia começado a ser construída. Por exemplo, como alguns tribunais optam pela utilização da assinatura eletrônica fornecido por uma entidade credenciadora (como a OAB) e outros da assinatura eletrônica por meio do mero cadastro do interessado no órgão judicial. Alguns tribunais instituíram que as intimações processuais ocorreriam por meio de diário oficial eletrônico e outros por meio do portal eletrônico do próprio tribunal.
O novo sistema (PJe), anunciado pelo CNJ em junho de 2011 e que já conta com a adesão de mais de 50 tribunais, além de ser gratuito, tenta evitar que essa torre de babel continue sendo construída.