“Cotas para deputados terão aprovação difícil
A proposta que reserva vagas para políticos de origem negra pode enfrentar resistência para avançar na Câmara. Líderes governistas e oposicionistas ouvidos pela Folha admitem que o projeto é polêmico e dizem que ele pode abrir brecha para o loteamento do Legislativo.
A cota racial foi aprovada anteontem pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) destina cadeiras para deputados de origem negra nas Assembleias Legislativas dos Estados e na Câmara Legislativa do Distrito Federal, além da Câmara federal.
O texto precisa ser discutido por uma comissão especial na Câmara. Se aprovado, terá que passar por duas votações em plenário onde precisará de 308 votos dos 513 deputados, e depois seguirá para análise do Senado (…)
O deputado Luiz Alberto, autor da PEC, afirma que criar uma cota étnica nas candidaturas, ao invés de reservar vagas nos parlamentos, não seria suficiente para resolver o problema da desigualdade.
‘Quando você reserva, obriga os partidos a disputar essas vagas. Isso garante que lançarão candidatos e também que eles serão eleitos", diz o parlamentar’”.
A controvérsia na obrigação de se eleger um número mínimo de pessoas negras é justamente o ponto levantado como positivo pelo deputado: ela garante que essas pessoas serão eleitas. Ainda que recebam muito menos votos do que pessoas de outras raças.
O fato de haver um determinado número reservado a deputados negros (e como definir a cor ou raça de alguém será outro debate enorme) não quer dizer que suas propostas sejam favoráveis a negros ou que apenas negros os elegeram ou mesmo que eles estarão preparados para os cargos que ocuparão.
Mais complicado ainda é que o projeto é para todos os parlamentos brasileiros, e se a ideia é dar representatividade aos eleitores negros, teríamos que ter quotas diferentes dependendo da distribuição racial daquela cidade ou unidade federativa. Estados como os do sul, onde o percentual de negros é menor, teria uma quota menor, enquanto estados como os do nordeste a quota de cadeiras para negros seria muito maior.
O ponto essencial aqui é que o parlamento é eleito de acordo com a vontade dos eleitores. Se queremos eleger parlamentares homofóbicos ou homossexuais, religiosos ou agnósticos, brancos ou negros, magros ou gordos, é nossa escolha. Ninguém nos força ou impede de votar em quem queremos.
Ou pode?
Na verdade, já há dois sistemas de quotas para no Congresso Nacional.
O primeiro é o que determina que nenhum partido pode ter menos de 30% de seus candidatos de um sexo. Como as mulheres são a minoria dos candidatos, normalmente acabamos dizendo que ao menos 30% dos candidatos devem ser mulher. Mas o que a lei faz não é estabelecer uma quota para mulheres: é estabelecer uma quota mínima de candidatos ‘do outro sexo’. Se a maior parte dos candidatos for mulheres, ao menos 30% dos candidatos devem ser homens.
Além dessa diferença, há uma outra fundamental: a quota no caso de sexo é para candidatos, e não para eleitos. Se os eleitores acharem que nenhuma das candidatas mulheres deve ser eleita, não haverá mulheres no Congresso (e o mesmo para candidatos homens). Ou seja, a lei preserva o direito do eleitor escolher seu representante, independente do sexo.
Mas existe uma outra quota muito mais explícita, e que poucos notam: a das unidades federativas.
Nenhuma unidade federativa elege menos que oito deputados ou mais de 70. Estados como Acre e Amapá acabam elegendo 8 deputados, embora se as eleições fossem puramente proporcional ao número de eleitores daqueles Estados elegeriam apenas dois, cada um. Ou seja, seis deputados em cada um daqueles Estados são eleitos por um sistema de quota que garante um mínimo de oito representantes. No caso de Roraima, seus 272 mil eleitores não elegeriam mais do que um deputado, mas acabam elegendo oito. Sete entram no ‘sistema de quotas estadual’. A conta é simples: com 135 milhões de eleitores e 513 cadeiras na Câmara, uma distribuição puramente proporcional de cada cadeira ‘custaria’ 264 mil eleitores.
Logo, a ideia de quotas no Congresso não é nova no país. O problema é se ela é boa para a sociedade. Em especial, se sabemos o que faremos quando deficientes, idosos, jovens, índios, homossexuais, judeus, mulçumanos, descendentes de asiáticos, sul-americanos, italianos, etc – todos minorias de uma forma ou de outra – passarem a exigir suas próprias quotas.