“O bispo emérito de Blumenau (SC), d. Angélico Sândalo Bernardino, disse ontem que é preciso distinguir casos de abusos contra crianças de casos de abusos contra adolescentes.
O bispo opinou a respeito após ser questionado sobre a declaração de outro religioso -o arcebispo de Porto Alegre (RS), dom Dadeus Grings-, que disse anteontem que ‘a sociedade atual é pedófila’.
A frase provocou polêmica no primeiro dia da 48ª Assembleia-Geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), realizada em Brasília.
‘A sociedade não é pedófila’, disse ontem dom Angélico, para completar mais adiante: ‘Acredito que o meu ilustre colega quis dizer que estamos vivendo num ambiente saturado de uma certa permissividade’.
Dom Angélico, da ala progressista da Igreja Católica, quis frisar durante entrevista a jornalistas que há uma ‘confusão generalizada’ entre pedofilia e efebofilia (atração sexual por adolescentes).
‘Tocar numa criança é diferente de tocar num adolescente, o que eu não quero dizer que se deva tocar num adolescente. Absolutamente, mas é diferente. E essa distinção comumente não é feita’, afirmou.
Questionado se há gravidade maior quando o abuso é praticado contra criança, dom Angélico respondeu: ‘Avaliem vocês no meu lugar, eu acho diferente. Deve também ser punido, e a lei pune. O próprio Estatuto [da Criança e do Adolescente] faz diferença: uma coisa é pedofilia, outra coisa é efebofilia’.
Pelo estatuto, criança é a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente, aquela de 12 a 18 anos. O texto criminaliza práticas como vender imagens com cena de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente. Para a CPI da Pedofilia, tais crimes configuram pedofilia.
Dom Dadeus Grings havia falado sobre pedofilia anteontem e, na ocasião, disse que só 0,2% dos crimes foram cometidos por membros da igreja.
Após a polêmica em torno de sua declaração de que "a sociedade é pedófila", o porta-voz da assembleia, dom Orani Tempesta, afirmou ontem que a frase de Grings não traduzia o pensamento da CNBB.”
Está correta a afirmação que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) faz distinção entre crianças (menores de 12 anos) e adolescentes (maiores de 12 anos). Alguns crimes, aliás, só existem quando praticados contra crianças e não contra adolescentes. Por exemplo, se compararmos os artigos 241-B e 241-D do ECA, veremos que o primeiro se refere tanto às crianças quanto aos adolescentes, e o segundo só se refere às crianças:
“Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”
“Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso”
Mas a questão debatida na matéria não são fotografias ou assédio. A questão na matéria é a prática de sexo com um menor. E sexo com menor não é tratado no ECA, é tratado pelo Código Penal, que diz que fazer sexo com qualquer pessoa menor de 14 anos é estupro de vulnerável. Qualquer pessoa que fizer sexo com alguém menor de 14 anos – o que inclui tanto as crianças (até 12 anos) quanto adolescentes (maiores de 12 e menores de 14 anos) – estará praticando o crime de estupro de vulnerável. Não importa se a vítima consentiu ou se não houve violência Para a lei brasileira, o menor de 14 anos não tem maturidade emocional suficiente para poder consentir em práticas sexuais. Haverá estúpro ainda que ele(a) queira fazer sexo.
E mais: pela nova redação do Código Penal, introduzida no meio do ano passado, para que haja estupro de vulnerável não é necessário que haja penetração do pênis na vagina. Sexo anal, oral etc também são formas de estupro. Logo, a vítima pode ser do sexo masculino.
PS: Apenas para ficar claro, o ECA não faz nenhuma menção à 'pedofilia' ou 'efebolia'. Esses são termos leigos que não possuem significado jurídico. Nenhum artigo de nenhuma lei brasileira menciona a palavra pedofilia. Em todas as milhares de normas brasileiras, o termo pedofilia só é utilizado duas vezes: na lei 11.829/08, ele aparece na ementa da lei (que algumas vezes usa termos leigos para deixar claro ao leitor do que a lei trata), mas, obviamente, não apare em nenhum dos artigos daquela lei. E no Decreto presidencial 5.814/06, que trata de um acordo de cooperação de combate ao crime organizado entre o Brasil e o Panamá, e provavelmente foi deixado lá por erro de tradução ou, mais provável, porque se trata de um acordo político e não jurídico.