“Crítica de corregedora abre crise no CNJ
Uma crise sem precedentes atingiu o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e levou o presidente da instituição, Cezar Peluso, a criticar publicamente uma entrevista dada pela corregedora do órgão, Eliana Calmon.
Peluso, que também é presidente do Supremo Tribunal Federal, conseguiu o apoio da maioria dos conselheiros para ler nota ontem, no início da sessão do CNJ, em que chama de ‘acusações levianas’ as falas de Calmon à Associação Paulista de Jornais.
À associação ela havia criticado a iniciativa de uma entidade de juízes de tentar reduzir o poder de investigação do CNJ. Para Calmon, a magistratura tem ‘gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás das togas’ (…)
A ação foi proposta pela AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) e poderá restringir o poder de fiscalização do órgão.
É nesse ponto que divergem Calmon e Peluso. Para ela, o CNJ deve investigar e punir magistrados que praticam irregularidades. Já Peluso diz que esse papel deve ser feito primeiramente pelas corregedorias dos tribunais (…)
Calmon disse que sua fala se referia a alguns juízes, não a todos, com base em investigações que comanda”
“Aliado de Sarney afirma que 'metaleiros são maconhados'
O deputado estadual Magno Bacelar (PV-MA) disse, em discurso, que ‘muitos dos metaleiros’ que foram ao Rock in Rio e xingaram o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), durante o show do Capital Inicial, são ‘drogados e maconhados (sic)’ (…)
Bacelar é o mesmo parlamentar que havia dito que Sarney ‘não é uma pessoa qualquer’ no episódio revelado pela Folha em que o senador foi flagrado utilizando helicóptero da polícia do MA em viagens particulares (…)
ele afirmou que vai propor moção de repúdio contra a banda Capital Inicial por ter dedicado a José Sarney a música ‘Que País é Esse’. Enquanto a canção era executada, era possível ouvir o público gritando: ‘Ei, Sarney, vai tomar no c...’.
Segundo ele, os xingamentos ocorreram em ‘ambiente [...] onde tem criança’. ‘E muitos dos metaleiros vão ali drogados, maconhados’"
Duas matérias, dois aspectos de uma mesma questão: a honra.
Na primeira, a ministra diz que há magistrados criminosos infiltrados dentro do Judiciário. Ela não se referiu a ninguém em particular. Logo, não há como ela ter ofendido a honra de ninguém em específico. Ela também não se referiu a uma instituição específica. Ela disse magistrados e Judiciário. Ela não se referiu ao poder Judiciário desse ou daquele estado, à justiça federal comum ou justiça do trabalho ou militar. Se ela não se referiu a uma instituição específica, ela, portanto, não pode ter causado nenhum dano específico a essa ou àquela instituição. E mais: ela não disse ‘todos’ os magistrados. Ela disse ‘alguns’. Enfim, tudo o que ela fez foi utilizar sua liberdade de expressão para dizer o que pensa. Ela não causou nenhum dano moral ou financeiro a nenhuma pessoa, física ou jurídica. Como não há um dano específico a uma pessoa específica, não é possível pedir uma reparação civil pelo dano sofrido.
Já na segunda matéria há três pontos diferentes. Primeiro, o vocalista disse que dedicava uma música ao presidente do Senado. Essa é uma música de protesto, mas isso não faz com que deixe de ser uma música e, como tal, uma forma de arte. Não é possível punir alguém por dedicar uma peça de arte a outra pessoa, ainda que essa arte seja irônica ou controversa.
Ainda que seja possível provar que houve uma ironia (o que já é muito difícil de fazer, já que isso depende de provar o que a pessoa estava pensando quando dedicou a música), é necessário que se prove mais duas outras coisas para que haja direito de indenização civil: que tenha havido uma perda/dano, e que essa perda/dano é uma consequência do que foi dito.
O segundo ponto é que o deputado-defensor fez exatamente a mesma coisa que foi feita pela ministra da primeira matéria: ele se referiu a algumas pessoas de um grupo, e não ao grupo completo ou a uma pessoa específica. Logo, é muito difícil provar que alguém sofreu um dano ou perda advindo dessa declaração (reparação civil) ou que o deputado cometeu o crime de injúria (punição penal).
Por fim, o público, segundo a matéria, disse coisas que ofendem (ou ofenderiam) qualquer pessoa normal. Aqui o problema é inverso: é claro quem está sendo ofendido, mas não é claro quem está ofendendo. Quem disse cometeu uma injúria, se a vítima se sentiu ofendida. E é também possível pedir a reparação civil pelo dano moral. Mas quem foi que ofendeu? Não se pode punir ‘o público’. A lei pode punir pessoas específicas do público, se for possível descobrir quem xingou, mas por princípio democrático não se pune uma coletividade pelo crime cometido por um ou vários de seus membros. Na dúvida sobre quem cometeu o delito, todos são inocentados (in dubio pro reo)