"Defesa de José Dirceu busca 'segunda opinião' na Alemanha
A defesa de José Dirceu está procurando o jurista alemão Claus Roxin, um dos autores da teoria do domínio do fato, usada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para condenar o petista no mensalão. Vai pedir a ele um parecer jurídico sobre o caso.
Em entrevista à Folha, no domingo, Roxin diz que indícios de que um réu poderia, por sua posição hierárquica, decidir sobre a realização de um crime não bastariam para condená-lo. Seria preciso provar que ele emitiu ordens.
José Luis Oliveira Lima, advogado de Dirceu, deve viajar à Alemanha para conversar com Roxin"
Do ponto de vista político, pode fazer sentido, mas do ponto de vista jurídico, e falando apenas de forma genérica, há dois tipos de problemas nesse tipo de estratégia. Um de ordem processual e outro de ordem prática.
O primeiro é que as provas, pareceres, laudos, testemunhos e todas as demais formas de convencimento do magistrado são apresentadas durante a instrução de um processo, ou seja, quando se está educando o magistrado sobre os fatos. Quando muito, durante a audiência de julgamento. Não depois da condenação do réu. Há dois riscos para o advogado nesses casos. Primeiro, se o magistrado perceber que o advogado está apenas tentando atrapalhar o julgamento, ele pode advertir o advogado ou pode até mesmo informar a OAB e pedir que ela tome providências contra o jurista.
Segundo, o próprio condenado pode processar seu advogado se perceber que o mesmo deveria ter apresentado a prova, parecer, testemunha etc e deixou de fazê-lo, causando-lhe uma perda. Afinal, o advogado foi contratado para prestar um serviço e perdeu o prazo ou fez seu trabalho sem o devido cuidado. É o mesmo que contratar um engenheiro que faz uma casa mal feita ou um médico que esquece o bisturi na barriga do paciente: se houve dano pela falta de preparo técnico ou desmazelo, o profissional é civilmente responsável pelo dano financeiro que causar ao cliente.
Em um processo civil, um parecer fora do prazo é pura perda de tempo. Em um processo criminal, ele pode até dar certo através da revisão, que pode ser apresentada mesmo depois da condenação transitada em julgado. Só que no caso do Mensalão isso é menos provável de funcionar porque não há uma instancia superior a quem recorrer. Ela seria julgada pelo mesmo STF que condenou.
O problema de ordem prática é que um parecer é apenas isso. O nome já diz tudo. É uma opinião pela qual uma das partes paga; e às vezes muito.
Essa opinião, vinda de um especialista, pode, sim, ajudar a convencer o magistrado. Mas o magistrado não tem qualquer obrigação de aceitá-la e muito menos será, necessariamente, convencido por tal opinião. Ele a lê, mas isso não quer dizer que quem deu a opinião estava certo, que sua opinião era relevante para o caso, ou que o magistrado irá decidir baseado em tal opinião.
Esse é um problema particularmente difícil no caso de pareceres dados por jurista estrangeiros. Mesmo que eles tenham 'criado' um conceito (e em direito raramente alguém cria algo: normalmente apenas modificamos ou inovamos o que já existia e empacotamos em alguma firula linguística), três coisas quase sempre ocorrem: primeiro, quem criou ou inovou o conceito o fez, mas tal conceito sofreu outras mudanças ao longo do tempo depois que foi criado, da mesma forma que quem fez a primeira cirurgia cardíaca não necessariamente é o maior especialista no assunto hoje em dia.
Segundo, os conceitos estrangeiros são adaptados para o sistema jurídico brasileiro e a opinião de quem o criou não necessariamente se traduz para como o conceito é aplicado no Brasil. Pense na medida provisória, por exemplo: copiamos um conceito italiano mas ao o 'abrasileirarmos', o tornamos algo muito diferente. Lá, o sistema é parlamentarista. Aqui, é presidencialista. Lá, se um primeiro ministro não consegue apoio para aprovar uma MP, é o mesmo que um voto de desconfiança. Todas as vezes que ele apresenta uma MP, ele sabe que está colocando seu cargo em risco. Aqui, nada acontecerá com o presidente.
E, terceiro, nossas décadas de ditaduras deixaram uma marca em nossa cultura que normalmente chamamos de nacionalismo, mas não tem nada de nacionalismo, mas, sim, protecionismo: adoramos estrangeirismos, mas detestamos que algum estrangeiro nos imponha qualquer coisa ou que nos diga o que é certo ou errado. E no direito não é diferente. Nossos magistrados não gostam da ideia de um estrangeiro ditando a eles como interpretar as normas jurídicas brasileiras.