“Intervenção já!
Não bastasse ser o último, ou estar na rabeira, do IDH, do ensino de matemática, do ensino de português, do saneamento básico e por aí afora, o Maranhão dos Sarney choca o país, quiçá o mundo, com atos de pura barbárie.
Só os cineastas mais violentos, talvez nem eles, poderiam produzir cenas em que dissecam a perna de um preso (ou seja, sob a custódia do Estado brasileiro). Tiram a pele, depois músculos, veias, artérias, até o osso (…)
Foram estupros e 60 mortes em 2013, e 2014 já começou com mais duas. A crise extrapolou as grades e foi parar nas ruas, onde vândalos atacaram ônibus e atearam fogo numa menininha na... ‘Vila Sarney’. Ela morreu ontem. A mãe está mal (…)
O vandalismo dos presos não é isolado. Apenas reflete a situação carcerária que, por sua vez, reflete a calamidade pública geral.
Folheiam-se os jornais e encontram-se ali, entre os recordes do pior nisso, pior naquilo, outras muitas histórias horripilantes. Cito uma, porque o espaço é curto: os carros, carteiras, cadeiras e os materiais escolares que foram enviados pelo governo federal para a Prefeitura de São Luís, novíssimos, apodreceram debaixo de sol, chuva e descaso, sem jamais terem sido usados”.
A intervenção federal ocorre quando o aparato estatal em uma das unidades federativas falha em suas obrigações de observar os preceitos mínimos da Constituição ou para possibilitar que tal unidade federativa possa voltar a observá-los.
Na intervenção, abre-se uma brecha na estrutura federalista do país para que o governo federal assuma algumas ou muitas das funções, obrigações e direitos que são inerentes àquela unidade federativa. Em outras palavras, suspende-se temporariamente a autonomia daquela unidade federativa.
Mas não basta que a falha seja grave.
É necessário que haja razões sólidas para se acreditar que aquela unidade federativa não é capaz de se gerenciar dentro dos pilares estabelecidos pela Constituição.
Além disso, a Constituição restringe taxativamente as hipóteses nas quais pode haver intervenção. Por exemplo, para manter a integridade nacional, garantir que um poder não seja tolhido por outro, controlar a ordem pública ou assegurar os direitos humanos.
E é nesses dois últimos casos que é possível uma intervenção nos moldes sugeridos na coluna acima.
Quando criminosos passam a atear fogo na cidade e o governo estadual não é capaz de impedí-los, ou passam a decapitar outros presos e o governo estadual não toma medidas necessárias para proteger os presos-vítimas, pode-se falar em comprometimento da ordem pública e na violação dos direitos humanos, respectivamente.
Mas ‘simplesmente’ deixar carros, carteiras e material escolar apodrecer não é caso de intervenção porque não está em uma das hipóteses estabelecidas pela Constituição. A ideia da Constituição é que temos os governantes nos quais votamos. Se não gostamos deles, que não votemos neles nas próximas eleições. Não podemos tentar resolver problemas com nossas opções democráticas através da quebra dos pilares constitucionais. É para evitar isso que a Constituição restringe a possibilidade do uso da intervenção. A intervenção não serve para solucionar problemas da democracia: ela serve para proteger a democracia.
Mas mesmo quando os eventos se encaixam nas (poucas) hipóteses previstas na Constituição, resta ainda saber se o governo local está sendo negligente, incompetente ou malicioso em suas atribuições ou, se ele está fazendo tudo que é possível para evitar que tais eventos ocorram mas, mesmo assim, eles continuam acontecendo. Nos primeiros casos, é justificável uma intervenção. No último caso, não, porque a solução está no amparo do governo estadual pelo governo federal, e não na sua remoção.
O problema é que essa é uma análise muitas vezes subjetiva; política. O que para mim é negligência sistêmica, para você pode ser uma falha apesar de todos os esforços.
A Constituição estabelece alguns mecanismos de controle para evitar que a excessiva subjetividade de uma pessoa possa gerar intervenções desnecessárias. Por exemplo, no caso da violação dos direitos humanos, o procurador-geral da República deve requerer e o STF deve prover tal requerimento antes de o presidente da República decretá-la. No caso da intervenção para restaurar a ordem pública, o decreto deve ser submetido ao Congresso Nacional em 24 horas. Se o Congresso não estiver de acordo, o decreto é rejeitado.
E mais: mesmo que haja a decretação da intervenção, ela deve limitar-se àquilo que é necessário para reestabelecer a ordem naquilo que gerou sua decretação. Se o problema é segurança pública, não se pode, por exemplo, estendê-la às finanças do Estado, e vice-versa.