"Ao contrário do que pretende a presidente Dilma Rousseff, a maioria dos senadores diz defender mais gastos da União com saúde, mas descarta nova CPMF. Para o governo, esse aumento só seria possível com uma nova fonte de recursos. Ouvidos pela Folha, 53% dos senadores (43 de 81) disseram apoiar a proposta de vincular à saúde 10% das receitas da União"
E da agência da Câmara dos Deputados da última segunda-feira (20/9/11):
“A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania deverá discutir e votar hoje a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 61/11, do Executivo, que prorroga a vigência da Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 31 de dezembro de 2015 (…)
A PEC (…) é uma das prioridades do Executivo para este semestre. O maior trunfo da oposição é o prazo exíguo, que reduz a margem de negociação do governo.
A DRU vigora até o dia 31 de dezembro deste ano. A proposta orçamentária que o Executivo enviou ao Congresso em 31 de agosto foi construída com base na prorrogação desse mecanismo. Se ele não for renovado, o Orçamento terá que ser refeito.
A DRU permite ao governo usar livremente 20% da receita de tributos federais (impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico)”
Temos vários tributos com cujo uso está vinculado a determinados fins. Algo como você receber uma mesada mas seus pais dizerem que você deve gastar a metade em livros, e a outra metade em passagem de ônibus, enquanto você queria gastar o dinheiro para ir ao cinema. Várias das normas fiscais fazem a mesma coisa: tanto por cento de um tributo é obrigatoriamente aplicado em gastos com educação, uma outra parte vai para a saúde, e assim por diante, e o governo fica de mãos amarradas para decidir onde quer investir o dinheiro.
Até a aprovação do Plano Real essas vinculações eram facilmente obedecidas porque, com a inflação alta, os valores concretos não importam. Funcionava assim:
As normas fiscais, na verdade, não determinam um valor preciso (como ‘um milhão de reais devem ser investidos em educação’). O que elas fazem é determinar percentuais (como ‘20% devem ser investidos em educação’). Mas esses percentuais precisam ser convertidos em quantidades reais em algum momento. Isso acontece na lei orçamentária que é aprovada todos os anos. Mas essa lei é aprovada antes dos gastos acontecerem. Quando o governo envia o projeto de lei orçamentária ao Congresso, ele precisa dizer ‘um milhão de reais para a educação’. Mas com a inflação alta, um cruzeiro gasto em março valia muito mais que o mesmo cruzeiro gasto em junho. O que o governo fazia era dizer que o orçamento era de um bilhão, mas deixava esse dinheiro investido enquanto ele não era gasto. Obviamente, esse um bilhão gerava juros que não estavam vinculados a nenhum gasto específico. Ou seja, os juros podiam ser usados pelo governo onde quer que quisesse. Mas essa era apenas a primeira parte do sistema. A segunda era quando o dinheiro era gasto. Isso porque, quanto mais tempo ele ficasse investido, mais juros ele gerava.
Assim, se o Orçamento dizia que deviam ser gastos R$ 100 milhões em uma determinada obra. Se o governo quisesse dar prioridade a essa obra, gastava esses milhões em janeiro, mas não ganhava juros sobre esse dinheiro porque ele já não estava em sua conta. Se, ao contrário, não desse importância a ela, só liberava o dinheiro em dezembro e ganhava juros em cima desse dinheiro até lá. Com isso, cumpria-se estritamente o orçamento e ao mesmo tempo mantinha a flexibilidade do governo para controlar a administração.
Com a estabilização da inflação em 1994, contudo, essa manobra tornou-se inviável e os governos passaram a ter de apelar para a desvinculação, que embora sejam sempre por prazos limitados, desobrigam o governo de respeitar os percentuais estabelecidos pelas normas fiscais. Ou seja, as DRUs servem para que o governo não fique com as mãos amarradas.
O último prazo para uma dessas DRUs (que havia sido aprovada em 2007) termina no final de 2011. O projeto acima é uma Proposta de Emenda Constitucional prorrogando o prazo da DRU até 31 de dezembro de 2015.
Todo governo quer a DRU, e toda oposição é contra, não importa quem seja governo e quem seja oposição. Isso porque o governo não quer ficar com as mãos amarradas, mas a oposição quer amarrar as mãos dele.
Sempre, aliás, foi assim. Governo a favor, oposição contra. Tanto nos governos PT, como no governo PSDB. Quem era oposição ontem votou contra as DRUs, mas hoje vota favor, e vice-versa.
Mas isso aponta para um outro dilema: ou o Congresso está se vendo obrigado a aprovar as DRUs há 15 anos porque as leis que ele mesmo fez vinculando o orçamento são impossíveis de serem cumpridas (e, nesse caso, o Congresso estaria sendo irresponsável por criar leis inúteis apenas para fazer bonito para os eleitores) ou, se as vinculações estabelecidas pelo próprio Congresso são boas e mesmo assim os sucessivos governos ainda precisam das DRUs mesmo depois de 15 anos, o Executivo está sendo irresponsável com a administração do dinheiro público.