“Uma cela de 2,5 m de largura por 4 m de comprimento, com cama de alvenaria e duas portas de segurança (uma delas com grade) é o cômodo que tem servido de moradia a Bruno, ex-goleiro do Flamengo, por boa parte dos últimos 90 dias. Acusado de sequestro, homicídio e ocultação do cadáver de Eliza Samudio, sua amante, o ex-atleta – antes residente em uma espaçosa mansão no bairro do Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro – vive no exíguo espaço da Penitenciária Nelson Hungria, na cidade mineira de Contagem. Ele está no Centro de Observação Criminalística (COC), um pavilhão recoberto externamente por tijolos aparentes que abriga 24 celas individuais, unidas por um corredor com paredes pintadas em cinza e branco. Lá, ficam os presos que ainda não foram julgados. Trancado numa fortaleza cercada de muros com quatro quilômetros de extensão, carcereiros mal encarados e vigiado 24 horas por câmeras de segurança, o ex-capitão do Flamengo amarga a rotina vazia da cadeia. Sua mais frequente distração vem de um pequeno rádio e de uma tevê de 14 polegadas. Ele assisti de tudo, menos ao noticiário. Na cela, o chuveiro é um cano preso à parede de onde só jorra água fria. Também não tem vaso sanitário. Quando quer ir ao banheiro, Bruno tem que se agachar sobre um buraco conhecido como ‘boi’ (…)
Como não tem se exercitado, o corpo atlético construído nos treinamentos pesados dos tempos de Flamengo deram lugar a olheiras e braços flácidos. Mas nada disso impressiona os parentes de Eliza. ‘Se ele está com problema de consciência, deveria ajudar a polícia a encontrar o corpo da minha filha’, diz Luiz Carlos Samudio, pai da moça. ‘Acho que isso aliviaria a situação dele’. A mãe de Eliza também já pediu publicamente para que o ex-atleta finalmente confessasse o que aconteceu com sua filha. Nenhum desses apelos fez efeito. Bruno comparece às audiências, mas permanece calado, não dá nenhuma pista sobre o caso. E assim, em silêncio, retorna para a pequena cela da Penitenciária Nelson Hungria. Quando volta dessas audiências, ele só é ouvido quando pede uma fruta ou um chocolate para um colega do COC. Logo depois que o pedido é atendido – os presos passam alimentos e objetos uns para os outros por meio de um barbante –, sua voz se apaga por horas a fio. Um silêncio torturante, principalmente para os amigos e familiares de Eliza”.
Existe um mito de que, sem cadáver, não há como alguém ser condenado por homicídio. Não existe nada na lei brasileira que impeça um magistrado de condenar alguém por um homicídio sem que o cadáver seja encontrado. Para que alguém seja condenado pelo homicídio basta que o magistrado esteja convencido de que ocorreu um crime e que o acusado é o culpado.
Às vezes, para entendermos o absurdo de uma idéia, basta levá-la ao limite. Imaginemos, por exemplo, a seguinte situação: uma pessoa mata a outra em um barco, na frente de mais de cem pessoas. O criminoso então pega o cadáver e o joga na água. O corpo afunda e nunca mais é encontrado. O corpo não foi encontrado, mas ainda assim a pessoa será condenada pelo homicídio pois há evidências suficientes (no caso, cem testemunhas) para convencer o magistrado de que o acusado matou a vítima.
Algumas pessoas acreditam que, se esconderem o cadáver, não poderão ser condenadas pelo homicídio. Na verdade, não só poderão ser condenadas pelo homicídio como também serão condenadas por um segundo crime: ocultação de cadáver, como é o caso da matéria acima.
PS: a matéria termina dizendo ‘um silêncio torturante, principalmente para os amigos e familiares [da vítima]’. Pois mais poética que tenha sido a intenção do autor, vale lembrar que o acusado ainda não foi condenado. O jornalista dá a entender que o acusado é culpado e que esconde algo com seu silêncio. Afirmar que alguém é culpado de um crime sem que isso seja verdade constitui um outro crime: calúnia. E se o acusado for absolvido, poderá processar tanto o veículo de imprensa quanto o jornalista que o ‘pré-condenou’ indevidamente. Só depois que há o trânsito em julgado podemos presumir que alguém é realmente culpado.