“Corte decide que nova gestão Chávez começa hoje mesmo sem a sua posse
Pela primeira vez desde 1959, ano da redemocratização na Venezuela, não haverá cerimônia de posse hoje para marcar o início do novo mandato presidencial de Hugo Chávez (2013-2019), numa decisão chancelada pelo Tribunal Supremo de Justiça venezuelano ontem.
A Corte, dominada por juízes alinhados ao chavismo, avalizou o plano do governo de adiar indefinidamente a cerimônia de posse, mesmo com o novo mandato começando hoje.
Não foi descartada inclusive a possibilidade de o juramento de Chávez se realizar em Cuba, onde o presidente se trata de um câncer.
‘Sabemos que é necessário e que, indubitavelmente, vai ser cumprido o juramento. Mas, neste momento, não poderíamos antecipar quando, como nem onde se juramentaria o presidente’, disse a presidente do TSJ, Luisa Estella Morales, quando questionada se Chávez poderia tomar posse em Havana”
FHC, Lula, Bush (o filho) e Obama foram reeleitos, e com mais ou menos pompa, tiveram alguma cerimônia de posse no início de seus segundos mandatos.
Se deixarmos de lado as especificidades do caso venezuelano, o episódio em si levanta uma questão importante: em casos de reeleição, para que perder tempo e gastar dinheiro com cerimônia de posse? Afinal, é a mesma pessoa, certo?
A pessoa é a mesma, mas o governo não é. Um governo é formado de indivíduos mas, nas democracias, indivíduos e governos são elementos distintos.´Ao tomar posse no segundo mandato, ele está iniciando um segundo governo, ainda que com os mesmos ou muitos dos mesmos indivíduos do governo anterior.
Nas cerimônias as 21 salvas de canhões e a transmissão da faixa presidencial são apenas isso: cerimônias. Têm valor emocional, mas são irrelevantes juridicamente. O último presidente da ditadura – Figueiredo – não passou a faixa para seu sucessor – Sarney. E os presidentes reeleitos não passam a faixa para si mesmos. Imagine a cena e você verá como isso seria ridículo.
Ao tomar posse, o presidente assume um compromisso legal. Aquilo que chamamos comumente de juramento. Qualquer servidor público – e mandatários de cargos eletivos também são servidores públicos – tem obrigação de prestar esse compromisso (no caso do presidente brasileiro, ele diz “prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”), e assinar o termo de posse. Esses são os dois elementos juridicamente relevantes na cerimônia de posse do presidente. Seja em caso de eleição ou reeleição.
O presidente foi eleito para um mandato por um tempo definido. Transcorrido aquele prazo, seu mandato acaba. Se ele permanece no poder, ele deve assumir um novo compromisso e assinar um novo termo. Se não o faz, ele está, na prática, exercendo o cargo sem se comprometer a cumprir suas obrigações básicas. Passa a ser ditadura.
Mas compromisso em relação a quem? Afinal, ele é o presidente. Não tem ninguém acima dele. E note que o compromisso acima não diz ‘prometo a fulano’. Diz apenas “prometo a manter”.
No Brasil, como em outros países, há discussão entre os juristas e filósofos políticos a respeito de quem é o destinatário do compromisso.
Certamente não é em relação a seus eleitores (o que excluiria quem votou em seus adversários) ou aos eleitores de forma geral (o que excluiria – no caso brasileiro – mais de 60 milhões de pessoas que não podem votar). Também não é em relação a deus (o Estado é laico).
Sobram a própria Constituição (mas isso soa estranho, porque é uma norma, algo inanimado e intangível), o povo (que é um conceito abstrato e sem definição objetiva), e a população (o que incluiria não brasileiros residentes ou de passagem pelo país e excluiria brasileiros fora do país). Ou à si mesmo. Um compromisso pessoal, ainda que feito em público. Como os juramentos da Idade Média. Um compromisso moral.
Mas pense nisso: se o compromisso é puramente moral, ele não tem relevância jurídica. Logo, não seria juridicamente necessário.