“STF amplia prazo de defesa de condenados no mensalão
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu ontem, por 8 a 1, ampliar o prazo para que as defesas dos réus do mensalão apresentem recursos contra as condenações. A corte optou por dobrar o prazo de 5 para 10 dias após a publicação do acórdão (resultado oficial do julgamento) (...)
Alguns dos réus pediam o acesso antecipado ao acórdão e de 20 a 30 dias para apresentar os recursos. Eles dizem ser ‘humanamente impossível’ ler milhares de páginas em poucos dias.
O regimento do STF prevê que os recursos, chamados embargos de declaração, devem ser apresentados em um prazo de cinco dias após a publicação da decisão.
Barbosa voltou a dizer que os pedidos eram absurdos e novamente acusou os advogados de tentarem uma ‘manipulação’ do prazo legal.”
Os prazos processuais são geralmente estabelecidos em leis (o regimento do STF apenas copiou o que está na lei processual). O prazo para um embargo de declaração, por exemplo, é de cinco dias, como mencionado acima. E o Código de Processo Civil (art 191) permite que os prazos sejam dobrados quando há litisconsorte (no caso, mais de um réu). Logo, em teoria, dobrar o prazo de cinco para dez dias seria automático e não haveria por que haver tamanha discussão a respeito. Se houve, é porque há dúvida se tal lei é aplicável ao caso.
O juiz só pode fixar prazo baseado em sua vontade quando a lei é omissa (art 177). Como no caso dos embargos a norma é clara, e o magistrado não pode se opor a ela, aceitamos que esses prazos não são prorrogados ou interrompidos (exceto por alguma brecha estabelecida na própria lei como, por exemplo, devido a feriados ou morte do advogado), ainda que eles sejam inadequados.
Mas, ao mesmo tempo, é óbvio que nenhum advogado terá capacidade física de ler milhares de páginas em apenas cinco dias. E uma semana a mais não deve fazer muita diferença. Especialmente porque o trabalho do advogado não é apenas ler as decisões de cada um dos ministros: se eles apresentarão recursos, precisarão também preparar esses recursos com base no que leram e nas dezenas de livros e outras decisões que terão que pesquisar. Tudo isso em 2 semanas.
Em outras palavras, a teoria processual e a realidade do processo não combinam. Daí o pedido de alargar o prazo para a apresentação de recursos.
A controvérsia entre os juristas surge porque, ao estabelecer novas regras, o STF estaria criando insegurança em outros processos.
O Mensalão é um caso único? Se for, o que o faz único? E se não for um caso único, quais são as novas regras? Alguns exemplos:
Quem exatamente poderia alongar os prazos fora dos casos preestabelecidos na própria lei? Apenas o STF ou qualquer tribunal superior? Apenas os tribunais superiores ou qualquer tribunal? Apenas tribunais, ou qualquer magistrado?
Em que casos esse alongamento do prazo seria possível? Quando a decisão tem mais de mil páginas? E se a decisão tiver apenas 999 páginas? Ou 998? E se o magistrado usar fonte tamanho 8 (minúscula) ou 16 (enorme), ou espaçamento duplo ou triplo ou margens maiores ou menores? Ou seria baseado em número de toques?
A complexidade do caso deveria ter alguma influência na ampliação do prazo? Um magistrado pode alongar-se por milhares de páginas em sua decisão sobre um assunto simples apenas para mostrar que leu todos os obscuros autores que já falaram a respeito do assunto, enquanto outros magistrados têm enorme poder de síntese e resolvem em duas páginas assuntos complexos. Seria justo prolongar o prazo do primeiro apenas por conta da verborragia do magistrado enquanto no segundo caso, no qual o advogado precisará conversar com técnicos ou cientistas, o prazo continua o mesmo?
E mesmo que se aumente o prazo para decisões complexas independente de seu tamanho, a complexidade seria em relação a quem? Ao magistrado ou ao advogado? O que pode parecer claro para um magistrado, pode ser confuso para o advogado, e vice-versa. Seja porque o magistrado é convoluto em sua decisão, seja porque o assunto é tecnicamente complexo ou fora da área de conhecimento dos juristas (sim, a Justiça é responsável por julgar assuntos técnicos sobre os quais não entende, de segurança de aeronaves a propriedade intelectual de material genético, passando por engenharia, música e medicina).
O valor ou tempo da condenação teria qualquer influência? Valeria apenas para assuntos criminais? O número de advogados ou de réus também influiria?
A decisão seria aplicada apenas a embargos de declaração ou a qualquer recurso ou apenas a recursos interpostos no fim do processo?
E qual seria o efeito dessa ampliação nos prazos da outra parte? Vários dos prazos do Ministério Público são contados em dobro: se dobrarmos os prazos da defesa, quadruplicaríamos o prazo para o Ministério Público ou mantereríamos o mesmo prazo?
Enfim, a ampliação do prazo adequa a lei à realidade, mas pode ter consequências de longo prazo no andamento de milhões de outros processos.