“Cabral sanciona lei que anistia bombeiros
O governador do Rio, Sérgio Cabral, acaba de anunciar através do Twitter que sancionou a lei que concede anistia administrativa aos 429 bombeiros que participaram da invasão ao Quartel Geral da corporação. Cabral também assinou o uso de 30% do Funesbom para gratificações e a antecipação do reajuste salarial de policiais, bombeiros e inspetores de segurança. Todos os projetos foram aprovados pelo plenário da Alerj na última terça-feira”
Os bombeiros do Rio de Janeiro entraram em greve de protesto por melhores salários e invadiram o quartel central da corporação. A Polícia Militar invadiu, retomou o prédio e prendeu 439 bombeiros. Agora bombeiros e governo estadual estão em negociações para resolver a crise.
Nessas negociações, os bombeiros reivindicam que aqueles que foram presos por invadir o quartel não sofram punição pelos atos praticados. Os bombeiros já estão soltos mas não está no poder do governador deixar de puni-los.
Ao serem presos, os bombeiros foram enquadrados em leis que previam castigos. A notícia não informa quais, mas, pelo contexto, pode-se depreender que as punições seriam de caráter tanto administrativo quanto criminal. O processo administrativo é movido pelo próprio órgão ao qual o servidor público pertence. Pela corregedoria, por exemplo. Ele visa investigar e punir as faltas administrativas, ou seja, o mau comportamento da pessoa enquanto servidora pública. O processo criminal, por outro lado, serve para investigar e punir qualquer pessoa que tenha agido de forma contrárias às leis penais (tenham cometido delitos). O processo administrativo investiga a relação entre o servidor e o estado enquanto empregador. O processo criminal, a relação da pessoa contra o estado enquanto gerente da ordem social e da paz pública.
O que importa para nós aqui é que, qualquer que seja o enquadramento legal, uma coisa é certa: uma vez tomada a decisão de instaurar um processo e acusar, forma-se um processo que tem que ser decidido de acordo com a lei. E o governador – que pode mandar que se instaure o processo administrativo (mas não o criminal) – não pode determinar como ele vai acabar. Não é ele quem decide como interpretar a lei em que os bombeiros teriam sido enquadrados. Quem irá julgá-los será o Judiciário (processo criminal) e a corregedoria (processo administrativo).
Para assegurar que os bombeiros não sejam punidos, é preciso então que uma lei especial seja aprovada. É a anistia que, afinal, é uma lei que autoriza que em casos expressamente mencionados em seu texto, não sejam aplicadas punições previstas em outras leis, sendo literalmente esquecidos os atos puníveis. É como se a pessoa nunca houvesse delinquido.
A notícia informa que uma lei de anistia foi aprovada pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), com relação às penalidades administrativas. Foi essa lei que foi sancionada pelo governador. E como dá para saber que a anistia foi para as sanções administrativas e não penais?
Fácil: uma lei estadual não pode anistiar crimes. Os códigos Penal e Penal Militar, no Brasil, são federais, ou seja, só o Congresso Nacional – e nunca as assembleias estaduais – podem tratar de assuntos penais (nos Estados Unidos, ao contrário, quase todas as leis penais são estaduais).
Foi por isso que os bombeiros foram se concentrar em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, logo em seguida. Administrativamente (lei estadual), eles podem perder seus empregos. Mas criminalmente (lei federal), eles podem ser presos!
Reparem que acabamos de mencionar três poderes: o Judiciário julga - de acordo com uma lei aprovada pelo Legislativo - os bombeiros, que são servidores do Executivo. Se o Executivo quiser anistiá-los, precisa que o Legislativo aprove uma nova lei (de anistia), seja na esfera federal (Congresso, no caso da anistia penal), seja na esfera estadual (Assembléia, no caso administrativo).
O Executivo (governador) tem poderes para mandar prender, para instaurar processo administrativo, mas não pode decidir um processo penal. Só o Judiciário (juiz) é quem pode dizer se os bombeiros foram ou não corretamente enquadrados, se violaram ou não a lei, e puni-los criminalmente. Mas só o Legislativo pode fazer uma nova lei que reverta as decisões do Judiciário. Também somente com uma nova lei - exatamente a lei concedendo a anistia - será possível impedir que o Judiciário julgue e aplique a lei ao processo instaurado contra os bombeiros.
Isso é o que juristas e cientistas políticos chamam de controle mútuo entre os poderes: em uma democracia, para evitar que um poder se sobreponha aos outros e se torne um monstro descontrolado, há vários mecanismos através dos quais um poder controla o outro. E essa é uma diferença essencial entre democracias e ditaduras.