“Promotor aconselha policial a melhorar mira para matar ladrão
‘Bandido que dá tiro para matar tem que tomar tiro para morrer. Lamento, todavia, que tenha sido apenas um dos rapinantes enviado para o inferno. Fica aqui o conselho para Marcos Antônio: melhore sua mira...’
O texto é do promotor Rogério Leão Zagallo, do 5° Tribunal do Júri de São Paulo.
Foi escrito numa manifestação na qual pediu, em março deste ano, o arquivamento do inquérito que investigava as circunstâncias em que o policial civil Marcos Antônio Teixeira Marins havia matado um homem que, ao lado de um comparsa, teria tentado roubar o carro que dirigia.
Na versão do policial civil, a dupla tentou atirar nele, motivo pelo qual reagiu.
‘O agente matou um fauno que objetivava cometer assalto contra ele, agindo absolutamente dentro da lei’, escreveu o promotor em sua manifestação, comparando o suspeito morto no episódio ao ser da mitologia romana meio homem meio animal (…)
O pedido pelo arquivamento da apuração das circunstâncias da morte do suspeito foi aceito pela Justiça.
Dessa forma, o policial civil não foi processado por homicídio doloso - quando há intenção de matar”
O promotor pode ter usado uma linguagem totalmente inadequada, forte ou exaltada (escolha a opção que melhor adeque à sua própria filosofia), mas o acusado só foi absolvido porque o juiz quis. Existem dois detalhes muito importantes aqui:
Primeiro, o artigo 28 de nosso Código de Processo Penal diz que “se o (…) Ministério Público (...) requerer o arquivamento do inquérito policial (…) o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender”.
Em outras palavras, o promotor pode ter pedido o arquivamento, mas o inquérito só foi arquivado porque o juiz concordou que deveria ser arquivado. Se o promotor errou ao pedir o arquivamento, o juiz também errou ao aceita-lo. Se o promotor acertou, o juiz também acertou. Além disso, se o juiz não houvesse concordado, ele deveria mandar o pedido ao chefe do promotor (o procurador-geral de justiça). O juiz não pode arquivar um inquérito se não concordar com o pedido feito pelo Ministério Público: ele tem a obrigação de procurar saber se o chefe do Ministério Público também quer o arquivamento. Só se o procurador-geral de justiça também pedir o arquivamento é que o juiz irá ordenar o arquivamento contra sua própria vontade.
Mas digamos que o inquérito não houvesse sido arquivado e que houvesse se tornado um processo. O artigo 385 de nosso Código de Processo Penal diz que “nos crimes de ação pública [que são a vasta maioria, inclusive o caso de homicídio, como o da matéria acima], o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição”.
O Ministério Público não serve apenas para acusar: ele não só pode como também deve pedir a absolvição se não estiver convencido de que o suspeito é culpado. Não há nada de errado com isso. Mas não importa que ele peça a absolvição: o juiz pode condenar se ele estiver convencido que o acusado é culpado.
Enfim, o promotor pode ter errado na linguagem que usou, mas um inquérito não pode ser arquivado só porque ele quis e nem um acusado pode ser absolvido só porque ele quis.