“Apesar das reações negativas, a decisão do Supremo Tribunal Federal a favor de não alterar a Lei da Anistia foi recebida com alívio por oficiais das Forças Armadas e elogiada até pelo deputado Aldo Rebelo, que é do PC do B (Partido Comunista do Brasil) e a considerou correta.
O ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos), no entanto, considerou ‘lamentável’ o fato de o Supremo ter decidido anteontem, por 7 votos a 2, que não cabe revisão da lei, editada em 1979, para permitir punição de agentes do Estado que tenham praticado tortura no regime militar (1964-1985).”
E saiu antes de ontem também na Folha:
“O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu ontem que a Lei da Anistia não pode ser alterada para possibilitar a punição de agentes do Estado que praticaram tortura durante a ditadura militar (1964-1985).”
Ao contrário do que saiu em várias matérias de quase todos os veículos de comunicação nos últimos dias, em nenhum momento o STF poderia mudar, alterar ou revisar a Lei da Anistia. O julgamento era para saber se a interpretação que o STF tem da Lei seria modificada. A Lei continuaria exatamente a mesma. O STF simplesmente não tem poder para modificar uma lei. Por mais importante que o Supremo Tribunal Federal seja – e ele é a corte mais importante do país e órgão mais importante do poder Judiciário -, ele não tem poder de mudar ou revisar qualquer lei. Esse é uma prerrogativa que só o poder Legislativo tem. O STF tem o direito de julgar a lei inconstitucional (ou ilegal) e dizer que ela não é aplicável, e tem o direito de determinar como uma lei deve ser interpretada, mas ele não o direito de reescrever uma lei.
Pelo princípio de separação entre os três poderes, só o poder Legislativo tem o direito de mudar, alterar ou revisar uma lei. Foi exatamente isso que o relator do processo disse quando proferiu seu voto, como saiu na Folha no dia 29/04:
“Segundo Eros Grau, ele próprio uma das vítimas da ditadura - foi preso e torturado durante os anos 1970 -, a lei foi ‘bilateral’, beneficiando todos os lados no período. Ainda de acordo com ele, a anistia foi um grande pacto político que serviu como ponte para a redemocratização e só não foi tão ampla porque, à época, não se contemplou os já condenados por crimes como terrorismo.‘Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal está autorizado a reescrever leis de anistia. Só o Congresso Nacional poderia fazer isso’, disse o ministro”.
Essa separação entre os poderes é um princípio básico das democracias modernas, já que impede que um órgão ou uma pessoa tenha muito poder e se sobreponha aos demais. Se o STF pudesse não só julgar a constitucionalidade e a interpretação das leis, mas também pudesse fazer as leis, ele seria a instituição mais poderosa do Brasil e tornaria-se incontrolável pelo resto da sociedade. Seria tão ditatorial quanto se o Congresso pudesse não só fazer as leis como também julgar se elas são constitucionais ou não. Pelo princípio da separação dos poderes, quem faz uma lei (Legislativo) não julga se ela é válida (Judiciário), e quem julga se ela é válida (Judiciário) não é responsável por sua execução (Executivo). Isso é parte do que os filósofos e juristas chamam de controle mútuo entre os poderes.