“Análise: Debate expõe dúvida sobre papel da Ajufe na reforma do Judiciário
Barbosa diz que os novos tribunais beneficiam interesses corporativos. Criar cargos de desembargadores facilita ambições, fica mais fácil ascender para aumentar poder, salário, status. Caberia à Ajufe demonstrar que sua opção por novos tribunais é melhor do que investir na digitalização de processos, ou na criação de câmaras, por exemplo.
Esqueçam a questão constitucional existente. Ela será resolvida no Supremo. Há farta jurisprudência anulando emendas constitucionais estaduais usadas pela aliança entre deputados e servidores que tentavam driblar o Judiciário e o Executivo. Não vale o Legislativo usar emenda constitucional para neutralizar competência privativa do Judiciário de propor leis de sua auto-organização.”
Nossa Constituição Federal é soberana. Isso significa que ela é a norma máxima no Brasil. Não há norma no mesmo nível ou acima dela dentro do território nacional.
É por isso que o texto diz que o STF já decidiu, no passado, que uma emenda a uma constituição estadual era inconstitucional. Ela era inconstitucional não em relação à própria constituição estadual emendada, mas à Constituição Federal, que autorizou sua existência.
As constituições estaduais só podem dispor a respeito daquilo que a Constituição Federal autorizou expressamente (disse que seria normatizado pelas constituições estaduais) ou indiretamente (não resguardou para si o direito exclusivo de dispor a respeito).
E o mesmo vale para as leis orgânicas (que são o equivalente a ‘constituições dos municípios’), só que elas precisam passar pelo crivo não só da Constituição Federal, mas também da constituição estadual da unidade federativa na qual está aquele município.
Mas a PEC dos TRFs não modificou uma constituição estadual ou leis orgânicas: os TRFs são previstos pela Constituição Federal (eles são instituições federais).
Logo, a questão é saber se uma emenda à Constituição Federal pode ser inconstitucional.
A Constituição não pode nunca ser julgada inconstitucional. Cabe ao Congresso modificar a Constituição. Ao STF só cabe interpretá-la.
Mas e a PEC? A PEC só pode ser considera inconstitucional se houve problema em seu trajeto para até ela tornar-se Constituição. Ela pode ser declarada inconstitucional apenas se não percorreu os caminhos procedimentais necessários para sua aprovação (por exemplo, se houve apenas uma única votação em cada casa, já que a Constituição demanda duas votações em cada casa) ou se ela tenta modificar uma das cláusulas pétreas explícitas ou implícitas da própria Constituição.
Cláusula pétrea é uma cláusula que não pode ser modificada (ou ao menos não pode ser modificada de forma restringir os direitos assegurados: em teoria ela pode ser modificada para dar mais direitos).
Mas os TRFs não estão em nenhuma cláusula pétrea explícita ou implícita. E ninguém até agora alegou que o Congresso não seguiu os trâmites procedimentais necessários para a aprovação da PEC.
Logo, não seria possível o STF dizer que a PEC é inconstitucional.
Mas não acabamos de dizer que nenhuma norma está acima ou no mesmo nível da Constituição Federal? Sim! Mas a PEC, tão logo aprovada, passa a ser parte da Constituição. Ela é como se fosse um enxerto na árvore mais alta da floresta (a Constituição), e não uma nova árvore plantada a seu lado. Daí porque, ela não pode ser julgada inconstitucional pelo STF. Seria como se o STF julgasse a própria Constituição inconstitucional, e isso é impossível.
Mas então não dá para fazer mais nada a respeito da PEC dos TRFs?
Dá. Isso porque o STF é quem interpreta a Constituição. Ou seja, caberá a ele interpretar o novo artigo introduzido pela PEC na Constituição.
E uma das formas de o STF neutralizar um artigo da Constituição é dizer que aquele artigo necessita ser regulamentado por norma infraconstitucional, ou seja, por uma lei que dê os detalhes de como aquele artigo será aplicado na prática. Do ponto de vista técnico ele não estará dizendo que o artigo é inconstitucional. Mas do ponto de vista prático, ele estará impossibilitando sua aplicação.
É isso, por exemplo, que ele fez durante os 15 anos nos quais que nossa Constituição estabelecia que as taxas de juros no Brasil só poderiam chegar a 12% ao ano (antigo art. 192, §3o). O STF não podia dizer que aquele parágrafo era inconstitucional (afinal, ele estava na Constituição), mas ele dizia que tal parágrafo necessitava de uma lei que regulasse sua aplicação, e tal lei nunca foi feita.
No caso dos TRFs, essa é uma solução bem possível, porque a PEC aprovada apenas diz que eles precisam ser criados em seis meses. Mais nada. Não diz quem os criará, qual a punição se não criar, de onde sairão os magistrados, quantos magistrados em cada um, etc. Logo, esse é um artigo que de fato necessitará de ser regulamentado por normas infraconstitucionais.
E mesmo que o Congresso aprove tais normas – afinal, ele já aprovou a PEC, que necessita de muito mais votos – o STF pode simplesmente julgar tais normas inconstitucionais. Afinal, tais normas, essas sim, estão abaixo da Constituição.
Mas há um último detalhe: até agora sabemos o ponto de vista do presidente do STF, mas não sabemos o ponto de vista dos demais ministros. O presidente do STF não julga sozinho.