“Com medo, aluno leva à USP canivete e spray de pimenta
Letícia (nome fictício), 22, leva spray de pimenta. Talita, 25, também, junto com um canivete. Giselle, 37, só vai de tênis –assim fica mais fácil correr dos bandidos (...)
Cerca de 60 mil pessoas frequentam a Cidade Universitária, incluindo alunos, professores e funcionários.
De janeiro a julho deste ano, a USP registrou 129 furtos, 33 roubos, dois sequestros, três sequestros relâmpago e um estupro –de uma aluna de 17 anos da Faculdade de Economia e Administração, em junho.
O crime ocorreu na praça do Relógio, área central do campus, às 18h, e agravou a sensação de insegurança.
Com 3,6 milhões de metros quadrados de área–mais que o dobro do Parque Ibirapuera–, a Cidade Universitária tem a segurança patrimonial feita por 47 guardas universitários, e a Polícia Militar é livre para circular”.
Diz o art. 19 da Lei das Contravenções Penais que “trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade” é punível com até 6 meses de prisão simples e/ou multa.
O porto ilegal de arma de fogo é crime e sobre isso não há discussão.
A discussão entre juristas, contudo, é como interpretar o art. 19 acima. Há, no mínimo, quatro formas de interpretar a lei, gerando resultados completamente diferentes.
Baseado no §2º do art.19 (que diz que “incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição...”) há alguns (poucos) juristas que dizem que o tal art. 19 só se aplicava a armas de fogo (já que mais adiante ele menciona ‘munição’, e munição é de arma de fogo).
Essa é uma interpretação talvez um pouco forçada porque nada impede uma interpretação de que o art. 19 pode estar falando de todos os tipos de armas. Mas se essa interpretação restritiva é válida, então o art. 19 já não é válido porque o porte ilegal de arma de fogo é hoje crime definido na lei 10.826/03 (artigos 12, 14 e 16, com pena que pode chegar a 6 anos de reclusão).
A segunda interpretação é a de que o art. 19 só se aplica a armas brancas. Neste caso, precisamos definir o que são ‘armas brancas’.
Isso é feito pelo Decreto presidencial 3.665/00, que deu nova redação ao Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105). Ele define que arma branca é um “artefato cortante ou perfurante, normalmente constituído por peça em lâmina ou oblonga”. Ou seja, facas, estiletes, punhais, espadas, canivetes e seringas são arma brancas pois são instrumentos perfurocortantes, ou seja, podem ser usados para furar ou cortar tecido humano. Mas um spray de pimenta, não entra nessa definição.
Uma terceira interpretação é que o art. 19 se referia a armas brancas e de fogo, e que hoje só é aplicável a armas brancas já que as de fogo são reguladas por outra lei (o que os juristas chamam de derrogação, ou seja, quando uma lei é revogada apenas parcialmente).
Mas uma quarta interpretação é possível. O art. 19 diz ‘arma’ e não ‘arma branca’ ou ‘arma branca e de fogo’. Logo, ele estaria cobrindo qualquer tipo de arma, branca ou não (exceto as de fogo, que são cobertas pela lei 10.826/03). De acordo com essa corrente, haveria três grupos de armas: de fogo, brancas e outras, que incluiria todas as armas que não sejam de fogo e que não sejam instrumentos perfurocortantes. Neste caso, portar sprays de pimenta, teasers, soco inglês e afins é contravenção de acordo com o art. 19.
Embora seja a interpretação mais lógica, essa última hipótese tem um problema sério na opinião de muitos juristas: quase tudo pode virar uma arma nas mãos erradas. Um pedaço de vidro, um guarda-chuva, um cilindro com gasolina ou uma barra de ferro podem ser armas ou não dependendo da interpretação da autoridade sobre a intenção do portador.
Existe, contudo, mais um outro ponto interessante nesse debate: independente de o art. 19 ser aplicável apenas a armas brancas ou a qualquer arma que não seja de fogo, só há contravenção se tais armas forem portadas sem autorização administrativa.
Mas como obter essa autorização e quem é a autoridade responsável por tal autorização? Digamos que você é um cozinheiro que precisa levar seu jogo de facas e cutelos de um restaurante a outro, ou que você é um amolador de faca que recolhe facas a domicílio para amolá-las em uma vã e precisa da autorização para portar tais armas brancas. Sem tal autorização, você está cometendo um delito, mas não há como obter tal autorização. Ou seja, teríamos uma lei que ou é inaplicável porque não dá ao indivíduo a possibilidade de cumpri-la (em uma interpretação favorável ao indivíduo), ou temos uma lei que é válida mas impossível de cumprir sem sérias restrições ao funcionamento normal de uma sociedade (em uma interpretação favorável ao Estado).