“O ex-policial militar Robson da Silva Lobo é acusado de fornecer as armas usadas pelos assassinos do prefeito de Jandira, Braz Paschoalin (PSDB), 62, em 10 de dezembro passado. Lobo foi flagrado por câmeras de segurança da prefeitura um dia antes do crime, quando recebia um pacote de uma pessoa, no centro da cidade.
Segundo as investigações da Delegacia de Carapicuíba, o ex-PM teria recebido R$ 200 mil na véspera do assassinato e ganharia outros R$ 200 mil após a morte do político. A informação está no depoimento de um dos sete suspeitos de participar do assassinato. A Justiça já decretou a prisão do ex-soldado, que está foragido. O próprio PM teria sumido com a metralhadora e o fuzil usados pelos autores do assassinato.
O delegado de Carapicuíba, Zacharias Tadros, disse à TV Globo que Lobo esteve no local da prisão dos dois suspeitos de assassinar Paschoalin e tentou convencer os policiais militares para que liberassem a dupla.
Os suspeitos foram detidos perto do carro usado no crime, ocorrido minutos antes. O prefeito foi baleado quando chegava a uma rádio da cidade para gravar um programa. De acordo com as investigações, Lobo teria conseguido as duas armas para matar Paschoalin”.
Hoje vamos falar de um dos artigos que os estudantes de direito acham mais complicados no Código Penal, e veremos que ele não é tão complicado assim. É o artigo que trata da relação entre causa e consequência (ou ‘relação de causalidade’). O artigo 13 de nosso Código Penal diz o seguinte:
“Relação de causalidade
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Superveniência de causa independente
§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”.
Vamos olhar cada uma das duas partes acima para entendermos o que cada pedaço significa usando o exemplo da matéria acima.
A primeira parte do caput (“o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa”) é relativamente simples se entendermos sua gramática. Ela está dizendo que a lei considerará culpado quem gerar o resultado considerado delituoso. Por exemplo, no caso da matéria acima, quem apertou o gatilho é culpado porque foi o disparo daquela bala (causa) que matou a vítima (resultado).
A segunda parte ("considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido") está dizendo que tudo que foi essencial para o cometimento daquele crime faz parte das ‘causas’ daquele crime e quem foi responsável pela causa é responsável pelo crime. Por exemplo, quem segurou a vítima enquanto seu comparsa apontava a arma contribuiu para o resultado (morte) porque sem segurá-la a pessoa não teria morrido naquele crime*.
Levada às últimas consequências, esse pensamento poderia também significar que todas as mães e pais do mundo estariam envolvidos em todos os crimes sofridos por seus filhos pois, sem terem dado a luz, seus filhos não teriam nascido, e se não tivessem nascidos não teriam sido vítimas de crimes. Eles só foram vítimas de crimes porque estavam vivas, e só estavam vivos porque seus pais os colocaram no mundo.
Óbvio que esse tipo de vínculo lógico geraria um resultado absurdo. E a lei não gosta de resultados absurdos. A intenção da lei é sempre tentar gerar resultados satisfatórios para nossos senso de justiça.
E é por isso que o legislador criou o §1º (“a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado”). O que este parágrafo está dizendo em uma linguagem complicada é que o resultado só pode ter sido considerado causado pelas causas essenciais e diretamente ligados a ele. Por exemplo, quem fabrica a arma não pode ser considerado responsável pelo homicídio porque foi o fato de o criminoso resolver usar aquela arma para cometer o crime que resultou na morte, e não a fabricação da arma em si. O tiro que o matou é uma causa posterior (subsequente) e (ao menos parcialmente) independente da ação (tiro) que gerou o resultado (morte). A fabricação da arma é anterior e (ao menos parcialmente) independente daquele homicídio. O mesmo fabricante produziu milhões de outras armas que não foram usadas para cometer aquele homicídio.
Ou, usando o exemplo anterior, a mãe não pode ser considerada responsável pelo homicídio de seu filho porque, ainda que tenha sido ela quem o tenha colocado no mundo, tê-lo colocado no mundo (ação) e resultado (morte naquele homicídio) não estão diretamente relacionados. Bilhões de outras mães colocaram filhos no mundo que não foram vítimas daquele homicídio. A morte em um homicídio é independente (ou ao menos parcialmente independente) daquela causa (nascimento). Foi uma outra ação (ter levado um tiro do criminoso) que ocorreu depois daquela primeira causa (ou seja, subsequente àquela primeira causa) que gerou o resultado (morte). Para a lei, em outras palavras, causa e consequência precisam estar diretamente ligadas para que se possa dizer que fulano é responsável pela morte de cicrano
Pois bem, como então fica o exemplo da matéria acima em que alguém é suspeito de ter entregue as armas a quem disparou o tiro? Quem entregou participou do homicídio? Existe uma relação de causa e consequência direta?
Esse é o território nebuloso pois o magistrado vai ter de tentar descobrir qual era a intenção de quem entregou a arma. Se ele sabia que aquela arma seria usada para aquele crime, ele participou do crime. Mas se ele não sabia, então ele está na mesma situação de quem fabricou a arma (ou seja, ele não poderia saber que, dentre os milhares de usos de uma arma, ela seria utilizada para cometer aquele crime específico).
Por mais estranho que possa parecer, uma de suas melhores defesas é admitir que sempre entregava armas a bandidos. Dessa forma, poderia alegar que não teria como saber que aquela arma seria usada para aquele crime, da mesma forma que o dono da loja de caça e pesca não poderia saber que uma das armas que vendeu seria usada em um crime. Ele vai estar admitindo um crime para se livrar de outro.
E se ele não sabia que ela seria usada para aquele crime específico mas tinha dados suficientes para suspeitar que seria? Se ele assumiu o risco, ele agiu dolosamente (já falamos de dolo aqui). Mas mesmo se ele não tenha assumido o risco, o magistrado se perguntará se ele tomou a atitude esperada de uma pessoa normal e prudente. Se não tomou, ele agiu negligentemente, e por isso sua conduta será considerada culposa.
Por fim, mesmo que o magistrado julgue que ele não teve nenhuma ligação com o homicídio, ele ainda vai responder por qualquer conduta delituosa que tenha cometido (por exemplo, comércio ilegal de arma de fogo). Isso é o que está determinando a última parte do §1º (“os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”).
* Óbvio que cada pessoa responderá pela sua participação e apenas no grau de participação. Quem ficou vigiando a porta terá uma participação (responsabilidade) muito menor do que quem apertou o gatilho.