“Para técnicos do TCU, governo Dilma escondeu dívidas
Técnicos do Tribunal de Contas da União que examinaram os números do governo federal concluíram que a gestão da presidente Dilma Rousseff acumulou dívidas muito superiores às reconhecidas na contabilidade oficial.
De acordo com os cálculos dos técnicos, até o final de 2014 as dívidas superaram em R$ 140 bilhões o valor do patrimônio do governo, que inclui seus bens e os créditos que ele tinha a receber no fim do ano passado.
A constatação fará parte de um relatório que será apreciado pelos ministros do TCU na próxima quarta-feira (17), quando o tribunal julgará as contas do ano em que a presidente concluiu seu primeiro mandato e se reelegeu.
Se a decisão for desfavorável ao governo, o julgamento abrirá caminho para a rejeição das contas de Dilma no Congresso e oferecerá novos argumentos para os líderes da oposição que defendem o impeachment da presidente.”
As contas do governo federal são aprovadas pelo TCU, mas as contas do presidente da República são apreciadas (ou seja, julgadas) não pelo TCU, mas pelo Congresso Nacional. O parecer do TCU sobre as contas do presidente da República apenas informa a votação do Congresso. O TCU pode recomendar a rejeição das contas e o Congresso aceitá-las.
Disso surge um problema muito interessante para nossa democracia: para julgar algo, você precisa entender o assunto.
Vamos lembrar: o TCU é um órgão apêndice do poder Legislativo. Como órgão apêndice, ele é autônomo, para evitar interferências do próprio legislativo, que em qualquer democracia é o mais político dentre os três poderes já que sua função precípua é representar os eleitores, o que é essencialmente um ato político.
Para executar suas funções de controle das contas públicas, o TCU é composto por técnicos (auditores) concursados com sólida formação em contabilidade e finanças, direito e administração pública.
O cargo máximo do TCU não é o de auditor, contudo, mas o de ministro.
Os nove ministros do TCU são, em última instância, responsáveis por julgarem as contas da administração pública federal e pelo parecer encaminhado ao Congresso a respeito das contas do presidente da República.
Três dos nove ministros são nomeados pelo presidente da República, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento. O terceiro segue os mesmo critérios usados pelo Congresso Nacional, descrito no próximo parágrafo.
Os outros seis dos ministros - ou seja, bem mais da maioria - são nomeados pelo Congresso, que pode nomear quem bem quiser, desde que o nomeado tenha mais de 35 anos, idoneidade moral e reputação ilibada, possua “notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública” e “mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados”.
Nossa Constituição diz “ou” e não “e” quando se refere aos conhecimentos necessários para a nomeação do ministro do TCU. O nomeado não precisa ter conhecimento de (a) contabilidade e finanças e (b) direito e (c) administração pública. Basta uma das três áreas. E a última delas - administração pública - é muito ampla. Uma pessoa que tenha sido deputada ou senadora por 10 anos, por exemplo, terá, em teoria, os dez anos de experiência em ‘administração pública’ exigidos pela Constituição.
Logo, dentre os nove ministros, apenas os dois dos nomeados pelo presidente da República tiveram seu conhecimento técnico aferido por meio de um concurso público independente. Os demais chegaram ao cargo nomeados por pessoas - presidente da República, senadores e deputados - que não necessariamente têm o conhecimento técnico necessário para julgar o conhecimento técnico de quem estão nomeando. Temos, por isso, que acreditar que quem os nomeou têm conhecimento suficiente para aferir o conhecimento do nomeado.
Mas a dificuldade não termina aí. Mesmo que os nove ministros do TCU sejam muito bem preparados não apenas em uma, mas nas três áreas de conhecimento (o que não é exigido pela Constituição), e que respeitem os relatórios dos técnicos de carreira subordinados a eles (o que não precisam fazer), não são os ministros do TCU que julgam as contas do presidente da República, mas o Congresso Nacional. Cabe ao TCU, como vimos, apenas emitir o parecer sobre as contas.
Ou seja, precisamos acreditar que os 513 deputados e 81 senadores têm não são a independência necessária para julgar tais contas sem pressões ou interesses escusos, mas que entendem o que estão julgando quando aprovam ou rejeitam as contas do presidente.