“'Delator' de blitz defende mais ônibus e metrô
O criador da página no Twitter que divulga os pontos de blitze da Lei Seca em São Paulo, o @LeSecaSP, diz que a falta de alternativas de transporte faz com que mais pessoas ainda insistam em dirigir após beber.
‘Se houvesse horários ampliados no metrô e mais ônibus, as pessoas não iriam de carro e eu perderia metade dos meu seguidores’, diz o administrador Murilo, 30, que pede para não ter o nome completo divulgado. Atualmente, mais de 30 mil pessoas seguem seu perfil, criado em julho de 2009. Além dos pontos de fiscalização, ele informa sobre enchentes e pontos sem congestionamento no trânsito (…)
O perfil ganhou tanta repercussão que a Polícia Militar já anunciou que costuma mudar mais rapidamente os locais de blitz ao ver a informação postada na web.
Murilo nega que o perfil ajude pessoas a escaparem da lei. ‘Quem está mal nem lembra de ligar o celular. É a mesma coisa quando o governo também avisa [onde tem] radar’, afirma.”
Essa matéria levanta um ponto importante: qual é a função de uma fiscalização feita por uma autoridade pública?
Como todas as boas leis, se a 'lei seca' não for fiscalizada, ela pode perder seu significado. Mas ela pode perder seu significado por três razões distintas:
Primeiro, se ninguém fiscalizar, é impossível saber quem a está respeitando e punir quem não a desobedece. Esse é a função na qual normalmente pensamos quando debatemos uma fiscalização.
Segundo, se ninguém fiscalizar, ela perde seu poder de moldar condutas aceitáveis. Quando a polícia ou qualquer outra autoridade pública fiscaliza o cumprimento de uma lei, ela não está apenas tentando pegar os infratores: ela está também tentando moldar determinadas condutas. Por exemplo, pense nos radares citados nas matérias acima: é óbvio que, como há uma placa avisando que há um radar logo adiante, a maior parte dos motoristas – ao menos os racionais – vai diminuir a velocidade. Se não houvesse uma placa, o número de multas seria muito maior. Só que a intenção do governo não é multar todo mundo, mas diminuir a velocidade dos veículos. Multar as pessoas está no primeiro objetivo acima. Diminuir a velocidade dos carros está no segundo: moldar a conduta das pessoas. Em cada caso, o governo terá de decidir qual desses dois objetivos é mais importante: moldar condutas ou punir infratores.
Mas há um terceiro objetivo que quase nunca mencionamos: mostrar para a população que esse é um assunto importante e que o governo o leva a sério. Às vezes punir é mais caro do que não punir, fiscalizar é mais caro do que não fiscalizar, mas ainda assim o governo fiscaliza e pune para garantir que as pessoas saibam que determinado assunto é de conhecimento de todos. Não dá para levar a sério uma lei que cai no desconhecimento.
Pense, por exemplo, nos casos em que o Ministério Público propõe uma ação contra um servidor público que se apropriou indevidamente de algum bem de pouco valor da repartição na qual trabalha (em juridiquês, esse crime é chamado de peculato). Mover um processo contra esse servidor é quase sempre mais caro do que simplesmente ignora-lo. Ou seja, o governo vai perder dinheiro duas vezes: com o que perdeu quando o servidor se apropriou de algo que não deveria, e com o processo contra esse servidor. Então, por que ele processa esse servidor? Para mostrar a todos os demais servidores que esse é um assunto importante para o governo.
A mesma coisa acontece quando o governo resolve fiscalizar a aplicação de uma lei. Pense no caso da obrigatoriedade das cadeirinhas para crianças: o governo sabe que nenhum pai – ao menos os racionais – quer matar os próprios filhos em um acidente. Então, por que o governo fiscaliza? Para mostrar aos motoristas que ele não só quer que eles comprem as cadeirinhas (moldar uma conduta) mas mostrar que esse é um assunto muito importante para ele. Ou seja, que ele leva isso a sério. Fazendo 'barulho', ele alerta as pessoas sobre o assunto ou sobre a importância do assunto.
Se você refletir sobre a teoria de marketing, essas duas últimas funções são muito parecidas com dois dos objetivos dos marqueteiros: aumentar o reconhecimento da marca e levar os consumidores a comprarem. Fazer com que a sociedade saiba que determinado problema é algo que o governo leva a sério é o equivalente a aumentar o reconhecimento da marca. E moldar o comportamento das pessoas é equivalente a fazer com que as pessoas passem a comprar o produto. O governo precisa aumentar as duas coisas ao mesmo tempo: o número de pessoas que sabem que o assunto é importante e o número de pessoas que adequem suas condutas. Aumentar um sem aumentar o outro acaba não gerando os resultados necessários.
Certamente, quando as pessoas ficam sabendo onde as blitz da lei seca está acontecendo em determinado local, o primeiro objetivo não é alcançado: o número de bêbados pegos dirigindo cai. Mas a questão é saber se essa informação tem impacto negativo em um dos outros dois objetivos, ou em ambos.