“Advogados patrocinam golfe de juízes
A Apamagis (Associação Paulista de Magistrados) promoverá um torneio fechado de golfe, reunindo advogados, desembargadores e juízes, com recursos levantados em empresas privadas e escritórios de advocacia.
O ‘Torneio de Golfe Apamagis’a acontecerá no sábado, no Guarujá, em parceria com o Guarujá Golf Clube e a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil.
Cotas de patrocínio entre R$ 5.000 e R$ 25 mil foram oferecidas como ‘investimento’ a firmas de advocacia e empresas, em proposta da qual constam logotipos da Apamagis e do clube.
Correspondência da Swot Mercado Ltda., que captou os recursos, prometia ‘uma ação sob medida’ para estreitar o relacionamento com os juízes. ‘Agimos rigorosamente com a anuência da Apamagis e do Tribunal de Ética da OAB’, diz Camila Santos, diretora da Swot.”
De fato, um torneio com tantos escritórios pagando a conta não pode ser suspeito de estar afetando a imparcialidade dos magistrados beneficiados, certos? Não.
Sem querer fazer qualquer trocadilho, o problema é o que os matemáticos chamam de teoria dos jogos ou, mais precisamente, de dilema do prisioneiro (para quem gosta de matemática ou filmes, é isso que o matemático John Nash desenvolveu e acabou inspirando o filme Uma Mente Brilhante).
Vamos entender:
Quando a associação (ou a agência publicitária) envia a carta aos escritórios de advocacia, eles têm duas opções: pagar ou não pagar. Eles também sabem que alguns outros escritórios receberam a mesma carta, e que outros muitos escritórios não a receberam.
O dilema do escritório que recebeu a carta é simples:
- Se os outros escritórios pagam mas ele não paga, os outros escritórios podem se beneficiar e ele vai ficar no prejuízo.
- Se ele paga e os outros escritórios pagam, tanto ele quanto os demais escritórios permanecem no mesmo nível de predileção, mas (e esse é um detalhe importante) se beneficiam em relação aos demais escritórios (que sequer foram convidados a pagarem).
- Se ele paga e os outros escritórios não pagam, ele gasta o dinheiro, mas não só será beneficiado em relação aos demais que receberam o mesmo pedido e resolveram não pagar, mas também em relação aos que não receberam o convite para pagar.
Em resumo, se o escritório decidir não pagar, ele terminar tanto ficar no melhor cenário (em que ninguém gastou dinheiro) quanto no pior (em que só ele não pagou). Se será o melhor ou o pior cenário, contudo, é algo que independe da conduta dele: quem decidirá isso é a conduta dos outros escritórios, que ele não controla.
E, óbvio, que basta um único escritório pagar para todos os demais (que não pagaram) ficarem ‘mal na fita’.
Como todos os escritórios sabem disso, todos eles pagam, e o cenário padrão se torna o segundo pior possível para o escritório. Todos saem perdendo porque todos estão com medo de sair perdendo se agirem de forma moral. Todos saem perdendo porque ninguém confia na conduta moral dos outros. Todos poderiam estar no melhor cenário possível (ninguém paga), mas como não há confiança entre eles, eles acabam optando por condutas que mitigam suas potenciais perdas (em vez de potenciais ganhos), e isso faz com que todos acabem em uma posição muito pior do que deveriam.
Esse é mais ou menos o mesmo raciocínio em filas para shows, vistos em consulados, check-in de vôo, guardar cadeira em um refeitório, puxar saco do chefe etc. O melhor cenário para todos (em que todos saem ganhando) é aquele em que ninguém resolve chegar mais cedo na fila ou perder tempo guardando uma mesa vazia no refeitório ou adulando o chefe. Mas como ninguém confia em como os demais irão agir, todos ‘atiram preventivamente’, justamente da forma que gerará o pior resultado para todos, o que faz com que todos percam (inclusive quem agiu).
Por outro lado, reparem que quem enviou o convite/’pedido’ de patrocínio ao torneio de golfe só tem a ganhar: ele ganha em três dos quatro cenários e não perde nada no quarto cenário. Se eu disser a você que vamos jogar duas moedas para cima e que se sair cara-coroa ou coroa-coroa você ganha mil reais e que se sair cara-cara você não perde nada, você toparia, não? Isso é justamente o que aconteceu acima. Alguém – não interessa quem – paga a quem enviou o convite em três dos quatro cenário, mas quem enviou o convite não perde nada ainda que eles não paguem. E ele sabe que, a partir do momento em que ele incitou o pagamento, muito provavelmente alguém pagará. Na verdade, provavelmente muitos ou todos pagarão porque ninguém quer sair perdendo.
E é aí que entra a lei. Quando as pessoas não confiam na conduta moral dos outros, é necessária uma sanção legal para controlar o comportamento das pessoas. Se a lei não punir, todos saem perdendo (não só os participantes, como os que não participaram ou não foram convidados a participar). Por exemplo, se houver uma lei que multe quem chegar na fila meia hora mais cedo, ninguém chegará na fila mais cedo e ninguém precisará chegar na fila mais cedo, logo a fila não se formará meia hora mais cedo do que o necessário.
Se você observar com cuidado verá que a maior parte das leis se encaixa nesse raciocínio. Pense nos crimes: ninguém precisaria pagar por uma polícia se ninguém cometesse crime e assim todos teríamos mais dinheiro para gastar em outras coisas. Mas como ninguém confia em ninguém, todos acabamos sendo obrigados a pagar tributos para manter a polícia porque alguém pode cometer um crime.