“Da tribuna do Senado, Collor chama o procurador-geral de 'filho da puta'
Investigado pela Lava Jato, o ex-presidente e senador Fernando Collor (PTB-AL), xingou nesta quarta-feira (5) o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de "filho da puta" durante o pronunciamento que fez na tribuna do Senado para se defender das acusações de que um grupo ligado a ele teria recebido R$ 26 milhões em propina do esquema de corrupção da Petrobras (...)
‘As empresas têm contrato social, estão devidamente registradas na junta comercial, tem suas atividades de acordo com o que define a legislação. Se existem parcelas em atraso é uma questão comercial que diz respeito a mim e ao credor, não podendo em tempo algum, sob o risco de uma grave penalização judicial a quem afirma, que tal atrasos se devem a recursos escusos. Afirmações caluniosas e infames. Filho da puta’, disse.”
Diz o art. 9º, §2º da Resolução 20/93 do Senado Federal, o chamado Código de Ética e Decoro Parlamentar, que é quebra do decoro parlamentar (i) usar, em discurso ou proposição, de expressões atentatórias ao decoro parlamentar ou (ii) praticar ofensas físicas ou morais a qualquer pessoa, no edifício do Senado, ou desacatar, por atos ou palavras, outro parlamentar, a Mesa ou Comissão, ou os respectivos Presidentes.
Mas não é tão fácil como parece afirmar que chamar alguém de filho da puta em um discurso é usar uma expressão atentatória ao decoro parlamentar. O problema é que ‘decoro’ não é um termo definido pela norma. Se olharmos no dicionário, veremos que o significado laico do termo é ‘decência’, ‘compostura’, ‘dignidade’, ‘compostura’. Tudo isso é algo socialmente definido. E diferentes grupos sociais e ambientes têm diferentes entendimentos sobre qual é a decência, compostura ou dignidade esperada daqueles que estão naquele ambiente. Vocabulários que se espera ouvir em filmes pornográficos não são condizentes em um convento. Talvez chamar autoridades no exercício de suas funções constitucionais de filhas da puta seja algo esperado no Senado Federal. Ou talvez não. E é justamente isso que os senadores precisarão decidir para saber se um de seus pares atentou contra o decoro daquela Casa.
Mas o art. 9º, §2º vai mais além. Diz que também é quebra do decoro ‘praticar ofensas morais a qualquer pessoa no edifício do Senado’. O interessante desse inciso é que se seguirmos a lógica penal dos crimes contra a honra, a ofensa necessita de dois pilares: o desejo do (ou ao menos a aceitação do risco pelo) autor de ofender a vítima, e a vítima deve sentir-se ofendida.
Se a suposta vítima não se sentiu ofendida, ela não é vítima e não há de se falar em ofensa. Mas, digamos que ela tenha se sentido ofendida. Resta ainda decidir se quem disse tinha a intenção de ofender ou se assumiu o risco de ofender.
Talvez ‘filho da puta’ seja uma expressão que quem disse usa como forma de se referir a seus amigos ou a quem admira. Talvez seja uma forma de humor. Talvez ele se referisse aos seus próprios sapatos apertados que o machucavam enquanto caminhavam ao Senado naquele dia. Ou talvez pratique coprolalia porque sofre Síndrome de Tourette ou algo parecido e seja incapaz de controlar o que diz. Tudo isso excluiria a possibilidade de que quis ou assumiu o risco de ofender, ainda que, na prática, tenha ofendido.
Mas digamos que ele tenha desejado ofender e de fato tenha ofendido o alvo de seu ataque e que não sofra de nenhuma condição neuropsíquica que o impeça de controlar o que diz. Ainda assim, sofreria apenas uma censura escrita.
Mas há, sim, uma possibilidade de perder o mandato. O art. 55, VI da Constituição diz que perderá o mandato o parlamentar que sofrer condenação criminal transitada em julgado. E injuriar alguém é um crime. Logo, se o ofendido processar criminalmente o ofensor e este for condenado de forma definitiva, ainda que a pena pela injúria em si seja mínima, o ofensor terá sido condenado criminalmente e poderá perder o mandato.