“Executivo infarta e morre em assalto
O executivo Hiroshi Yamasaki, 59, morreu de um infarto fulminante após sofrer uma tentativa de assalto [sic: roubo] na rodovia Fernão Dias, na região do Jaçanã, zona norte da cidade, na noite de anteontem. Para a polícia, Yamasaki foi alvo da gangue da pedra, que joga blocos de concreto nos carros para forçar os motoristas a pararem. A vítima estava sem lesões, dentro do carro parado e com o para-brisa quebrado.”
Ao jogarem a pedra, os criminosos queriam roubar, mas acabaram causando um enfarte que, por sua vez, causou a morte da vítima. Os criminosos não queriam causar o enfarte, mas o causaram. O problema é saber qual crime eles cometeram: tentativa de roubo ou latrocínio consumado? Isso é importante porque as penas entre esses dois crimes são muito diferentes. A tentativa de roubo tem uma pena máxima de 6 anos e 8 meses. Um latrocínio chega a 30 anos de reclusão.
A primeira questão é saber se ao jogarem a pedra eles queriam matar a vítima ou assumiram conscientemente o risco de matarem.
Tudo indica que não queriam matar. Mas, ao jogarem a pedra, assumiram o risco?
Pessoas normais sabem que causar um susto em alguém dirigindo em uma estrada pode levar a um acidente e acidentes podem causar a morte.
Aqui vale lembrar que quando alguém planeja ou assume o risco de matar, não é necessário que a morte ocorra exatamente como planejado ou conforme o risco assumido. Se o criminoso planeja atirar na cabeça e acaba atirando no coração, não importa. O que importa é que, ao atirar, ele quis matar.
Em outras palavras, o essencial é que a conduta do criminoso tenha causado a morte. Ou o que os juristas chamam de nexo de causalidade. Nexo de causalidade é o vínculo físico e jurídico entre um ato e sua consequência.
A mãe que dá a luz a um bebê que um dia se tornará um criminoso, por exemplo, não tem nexo de causalidade com o crime cometido por seu filho anos mais tarde. Não porque não tenha um vínculo físico e natural com o crime do filho (afinal, se ela não tivesse dado a luz, o filho não teria cometido o crime anos mais tarde), mas porque não há um nexo normativo: ao dar a luz, ela não agiu com dolo (quis ou assumiu o risco) ou culpa (foi imprudente, negligente ou imperita) em relação ao crime que ocorreria anos mais tarde.
Mas houve nexo causal entre o jogar a pedra e a morte por enfarte? A resposta é sim.
Mesmo se a pessoa tem uma condição clínica que a predisponha a ter um enfarte, isso não rompe a causa essencial do enfarte: o susto causado ao jogarem a pedra no carro daquela vítima.
Aqui há dois conceitos jurídicos interessantes:
O primeiro, a condição clínica da vítima que a predispunha a ter um enfarto é o que os juristas chamam de causa relativamente independente. Em outras palavras, a morte foi, em parte, causada pela predisposição clínica da vítima. Mas essa predisposição não é suficiente para romper a relação de causalidade entre o susto e o enfarte. Ao jogarem uma pedra em um veículo em movimento os criminosos, no mínimo, assumiram o risco de matar, seja pelo potencial susto, seja pelo potencial acidente. O fato de a vítima ser mais propensa do que o normal a um enfarte não rompe esse vínculo de responsabilidade dos criminosos.
O segundo é que esse nexo de causalidade, ou seja, o vínculo entre a pedra e o enfarte, é o que os juristas chamam em latim de conditio sine qua non, que, em bom português se traduz como algo ‘a condição sem a qual o fato não teria ocorrido’. Ou seja, se a pedra não tivesse sido jogada, ele não teria se assustado, e sem o susto ele não teria tido o enfarte. Logo, sem a pedra, não haveria o enfarte naquele momento, daquela forma.
É a mesma lógica que estabelece o vínculo entre o criminoso que atira e a morte da vítima por infecção hospitalar mais tarde durante o tratamento, ou entre o criminoso que tenta cometer o crime e a morte da vítima atropelada por uma terceira pessoa quando tentava escapar do criminoso. A vítima não teria ido parar no hospital e não teria tentado escapar do crime se o criminoso não tivesse feito o que fez. Logo, a conduta do criminoso é um ato sem o qual o fato (infecção ou atropelamento) não teria ocorrido. Daí o criminoso ser responsabilizado.
Logo, os criminosos, se um dia forem identificados e presos, provavelmente serão processados pela morte e não apenas pela tentativa de roubo.