“Criação de tribunais ocorreu na 'surdina', afirma Barbosa
Num encontro tenso com dirigentes das três principais associações de juízes do país, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, disse ontem que o projeto de criação de mais quatro Tribunais Regionais Federais foi feito de forma ‘sorrateira’ e na ‘surdina’.
Na reunião, Barbosa afirmou que as sedes destes TRFs serão erguidas em ‘resorts e grandes praias’, em alusão a encontros de magistrados promovidos pelas associações em hotéis no litoral, normalmente patrocinados por empresas privadas (...)
A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada emenda à Constituição que criará mais quatro TRFs no país -hoje existem cinco. As entidades foram favoráveis, mas Barbosa trabalhou contra alegando custos altos.
Foram ontem ao gabinete do ministro os presidentes da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Nino Toldo, da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Nelson Calandra, e da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), João Bosco de Barcelos Coura, além de três outros juízes dirigentes das entidades (...)
O presidente do STF então afirmou que eles eram ‘responsáveis, na surdina’ e, diante de mais uma manifestação de Ireno Júnior, disse: ‘O senhor abaixe a voz que o senhor está na presidência do Supremo Tribunal Federal’ (...)
‘Os senhores não representam a nação. Não representam os órgãos estatais. Os senhores são representantes de classe. Só isso. A reunião está encerrada’”
Essas associações de magistrados são só isso: associações. Como um clube ou associação de bairro. Daí organizarem os eventos em resorts: como um clube, organizam as atividades que quiserem para seus membros, onde quiserem. Elas não fazem parte do aparato estatal.
E, como um clube, seu estatuto pode estabelecer quem pode e quem não pode fazer parte. No caso da Ajufe, por exemplo, ela diz representar – com exclusividade – juízes federais de primeira e segunda instância e ministros do STJ e do STF (o que, em teoria, inclui o presidente do STF, com quem seus representantes discutiram ontem). Mas não são só eles. Pensionistas e associados beneméritos (quem não é magistrado federal mas fez algo pela Associação) também podem ser associados.
E é daí que vem boa parte da tensão entre STF e as associações presentes na reunião de ontem. O STF é o órgão máximo do Judiciário. Aprovar a criação de novos TRFs, forçando a reformulação de toda a Justiça Federal pela qual ele é responsável, sem seu aval, é como organizar uma festa de aniversário a contragosto do aniversariante e dono da casa.
Para piorar a tensão, as três entidades presentes na reunião – que apoiam a criação dos quatro novos tribunais – sequer são parte do aparato estatal. São entidades puramente privadas. E uma das três entidades presentes na reunião – a dos magistrados da Justiça do Trabalho – sequer representa profissionais que serão afetados pela PEC: a PEC não trata da Justiça do Trabalho. Daí a crítica do presidente do STF de que são entidades classistas gastando dinheiro público para o benefício de seus associados. Ele afirmou aquilo que é óbvio, e que se aplica a qualquer outra associação classista: estão defendendo os interesses de seus asssociados.
Mas faz sentido criar novos TRFs?
Isso é questão de opinião, e cada um tem a sua. Mas alguns fatos são importantes para formularmos opiniões inteligentes, em qualquer das duas direções (e deixando de lado os interesses pessoais, dos quais já falamos aqui):
Se cada um dos 4 tribunais tiver 20-25 juízes, eles conseguirão de fato resolver o problema de acúmulo de centenas de milhares de processos? Ou o problema está na legislação feita pelo Legislativo e/ou na cultura trabalhista dos magistrados?
Ainda que eles aliviem o acúmulo de processos, os bilhões que os novos tribunais custarão por ano – além da dezenas de bilhões que suas implantações custarão ao contribuinte – são justificados pelos benefícios que trarão à sociedade?
Qual será o custo do MPF? Ninguém até o momento mencionou os custos na reformulação do Ministério Público Federal que, em teoria, terá que ser igualmente reestruturado, com a criação de quatro novas procuradorias regionais da República (elas funcionam como espelho dos TRFs: se novos TRFs são criados, novas procuradorias regionais precisam ser criadas).
Conseguiremos preencher todos os cargos criados? Afinal, não é raro os concursos para magistratura não preencherem todas as vagas abertas. Se começarmos a promover mais juízes de primeira para segunda instância, não estaremos piorando o problema de falta de juiz federal na primeira instância?
Faz sentido termos um TRF em Brasília resolvendo recursos de Roraima ou Bahia?
Faz sentido termos menos TRFs do que TRTs, TREs e Conselhos de Justiça Militar?
E mesmo que essa não seja a solução para lidar com todos os processos acumulados, há ideias melhores que resolverão o problema a custo menor?