“Bando usa 'mulher-bomba' em assalto na Oscar Freire
Era perto de 13h30 quando a empresária Márcia Pelegrini, 31, entrou na joalheria Guerreiro, na rua Oscar Freire, área nobre de São Paulo.
Trazia nas mãos uma caixa de tênis e, tremendo, deu a uma funcionária um celular e um aviso: ‘entregue as joias que eles estão querendo, senão vão me explodir.’
Cerca de duas horas antes, quando ia buscar os filhos na escola, Márcia teve o veículo fechado por dois carros e foi rendida por oito ladrões em rua do Morumbi (zona oeste).
Dois homens entraram no seu carro e prenderam no corpo de Márcia um cinto, que parecia repleto de explosivos.
Também entregaram a caixa de tênis onde haveria uma bomba. ‘Eles só falavam que eu tinha de entregar a bomba na loja e pegar as joias. Só isso. Senão, eles iriam explodir a bomba’, disse à Folha (...)
A empresária entrou na loja sozinha. Colocou a caixa no balcão, entregou o celular à funcionária e levantou a blusa para mostrar o cinto.
Houve desespero. ‘É um roubo, entregue tudo a ela. Queremos ouro’, disse o assaltante pelo celular à funcionária (...)
O Gate (grupo da Polícia Militar especializado em bombas) foi ao local. Após analisarem os artefatos, descobriram que não havia explosivos na cinta. Já na caixa de tênis tinha jornais, pólvora e fogos de artifício”
A técnica não é nova (ano passado uma mulher australiana foi submetida a algo parecido: e filmes ação já usaram esse mesmo tema dezenas de vezes).
Mas podemos aprender duas coisas com esse crime:
Primeiro, é o conceito de inexigibilidade de conduta diversa. Na semana passada um dos advogados do mensalão usou esse mesmo conceito para dizer que sua cliente não deveria ser condenada. Esse é um dos pontos mais básicos do direito penal: para ser condenado é necessário haver livre arbítrio.
A inexigibilidade da conduta diversa serve para descrever condutas que, se não fosse por alguma razão maior, seriam consideradas criminosas.
Por exemplo, a empresária da matéria acima fez tudo necessário para consumar um roubo: entrou na loja e disse para a atendente colocar as joias na caixa ou ela (a própria empresária) explodiria. O crime de roubo é subtrair coisa alheia móvel (joias de uma joalheria, por exemplo), mediante violência ou grave ameaça (ameaçar uma explosão é grave).
Mas ninguém em sã consciência espera que a empresária seja sequer processada: ela não queria cometer o crime; foi forçada a fazê-lo. Logo, não se poderia esperar dela uma conduta diversa da que teve: obedecer a ordem dos criminosos.
Ao removerem sua capacidade de agir de forma diferente, os bandidos removeram ou limitaram o elemento volitivo da empresária, ou seja, sua habilidade de agir por vontade própria. Para a lei ela se tornou vítima e objeto de um crime.
Se fosse razoável esperar que ela agisse de outra forma, aí sim, ela teria cometido um crime (ela seria coautora, juntamente com os demais criminosos).
Mas repare que não é necessário que seja a única opção possível (ela, por exemplo, poderia ter dito não aos bandidos e arcado com as consequências, ou ido à igreja e rezado à espera de um milagre ou batido o carro enquanto ia à joalheria, etc). O importante é se o que ela fez foi razoável dada as circunstâncias em que ela se encontrava. Uma pessoa normal, na mesma situação, provavelmente teria agido como ela agiu.
Compare a situação dela, por exemplo, com a do brasileiro condenado à morte na Indonésia: ele diz que entrou no país com drogas porque precisava pagar uma dívida. Uma pessoa normal teria tentado renegociar a dívida, pego um empréstimo ou buscado outras formas lícitas de pagar o que devia. Sua conduta não foi razoável dada a situação. Tivesse um traficante posto uma arma em sua cabeça e dito ‘passe com as drogas pela alfândega ou atiro’ sua conduta seria razoável.
O segundo ponto é que ela não havia bomba nenhuma. Os bandidos mentiram. Não importa. O que importa é como ela percebeu a situação e como uma pessoa normal teria percebido uma situação similar. Em outras palavras, ela imputou a existência de uma situação que, se fosse verdadeira, teria justificado sua conduta.