“Revisor inocenta Dirceu e é contestado por colegas
O revisor do processo do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, votou pela absolvição do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, por entender que as acusações contra ele não passavam de ‘ilações’ e ‘conjectura’, mas ficou isolado ontem.
Outros dois ministros, Rosa Weber e Luiz Fux, seguiram o relator do caso, Joaquim Barbosa, e condenaram Dirceu pelo crime de corrupção ativa, dizendo que o petista foi o responsável pela compra de parlamentares para garantir apoio político no Congresso durante os primeiros anos do governo Lula.
Até o esquema do mensalão ser revelado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB) à Folha, em 2005, Dirceu era o mais poderoso ministro de Lula, coordenador da campanha presidencial em 2002 e ex-presidente do PT”
O último parágrafo lembra que o acusado era servidor público na época. Mas o parágrafo anterior diz que ele está sendo acusado de corrupção ativa.
Normalmente associamos servidor público com o crime de corrupção passiva: receber ou solicitar uma vantagem indevida em função de seu cargo. O caso acima é interessante porque mostra que o servidor público pode também ser condenado por corrupção ativa, que é oferecer ou dar uma vantagem econômica indevida ao servidor público em função de seu cargo.
A corrupção passiva é o que os juristas chamam de crime próprio, aquele que só pode ser praticado por pessoas de uma determinada classe ou com certas características. Por exemplo, no infanticídio, outro crime próprio, o crime é praticado pela mãe em estado puerperal. Se for praticado por outra pessoa que não seja membro dessa 'classe', passa a ser homicídio.
No caso da corrupção passiva, ele é praticado por servidores públicos. Essa é a ‘classe’ à qual o criminoso deve pertencer (o não servidor pode, contudo, ser partícipe. Por exemplo, ele ter induzido ou facilitando o recebimento da propina pelo servidor).
Já a corrupção ativa é crime comum: qualquer pessoa pode praticá-lo. Incluindo servidores públicos. É por isso que o personagem na matéria acima pode ser acusado de corrupção ativa. Afinal, um servidor público – e servidor público, para o Código Penal, pode ser concursados comissionado e eleito – pode dar ou oferecer uma vantagem indevida a outro para que este faça ou deixe de fazer algo relacionado a seu cargo.
Note que nessa definição não importa se a vantagem indevida é para fazer algo legal ou ilegal: a vantagem precisa ser indevida, mas o propósito pode ser devido ou indevido. Complicou? Pense nisso: se você paga a taxa de emissão de carteira de identidade ao policial, a vantagem é devida e portanto não há corrupção.
Já se você paga propina ao policial para ele liberar sua carteira de identidade com agilidade, a vantagem é indevida, mas o propósito é legal. Como a vantagem é indevida, há corrupção.
E o mesmo ocorre se você paga a propina para ele deixá-lo de multar por estacionar onde não podia: nesse caso, tanto a vantagem quanto o propósito são indevidos.
Outro detalhe importante: ambos são crimes formais, isto é, basta que haja o pagamento (nos dois casos) ou o oferecimento (no caso da corrupção ativa) ou pedido (no caso da corrupção passiva). Não é necessário que o servidor a quem foi oferecido, que pediu ou que recebeu tenha de fato agido conforme combinado. Ou seja, não é necessário que tenha ocorrido um resultado para que o crime esteja configurado. Basta que a forma de agir tenha sido aquela proibida pela lei. Por isso os dois crimes são chamados de crimes formais. Se o servidor de fato agir (produzir o resultado desejado), as penas são aumentadas (em um terço).
E um último ponto: nada impede que o mesmo servidor tenha praticado os dois crimes: ele pode ter sido corrompido por uma pessoa e depois usou o dinheiro ou parte dele para corromper outros servidores.