“Barbosa manda PF acionar aeroportos para impedir fugas
No mesmo dia em que determinou que os condenados pelo mensalão entregassem passaportes, o ministro do STF Joaquim Barbosa ordenou que os 25 nomes fossem incluídos na lista de ‘procurados e impedidos’ da Polícia Federal nos aeroportos (…)
O ex-ministro José Dirceu classificou a decisão de reter os passaportes como ‘puro populismo jurídico’ e violação dos direitos dos réus.
O petista fez em seu blog duras críticas a Barbosa. ‘A decisão do relator (...) é puro populismo jurídico e uma séria violação aos direitos dos réus ainda não condenados, uma vez que o julgamento não acabou e a sentença não transitou em julgado’, escreveu Dirceu, que chamou a medida de ‘exagerada’.
Segundo o ex-ministro, o argumento de Barbosa afronta a liberdade de expressão e o direito de defesa dos réus”.
Na verdade, a afronta seria contra a liberdade física (o direito de ir e vir) do réu, e não sua liberdade de expressão (ele continua podendo dizer o que pensa: tanto é assim que disse discordar da decisão) ou seu direito de defesa. Ele continua podendo defender-se como bem quiser, desde que dentro da lei. Fugir não é uma forma de defesa válida para nossa lei penal. Logo, impedir alguém de fugir não é uma restrição de seu direito de defesa.
Mas poderia, sim, ser uma forma de restringir ilegalmente seu direito de ir e vir. É o que acontece, por exemplo, no crime de abuso de autoridade ou no sequestro. Só que na matéria acima não é questão do magistrado estar perseguindo o condenado. É apenas uma medida normal (ou que deveria ser normal) de um magistrado que teme que o réu fuja. É apenas bom senso jurídico.
O Brasil tem um histórico de condenados e réus que fogem do país. Mesmo figuras públicas. Dentro do próprio Mensalão, dois dos 37 réus já saíram do país (e voltaram) enquanto o processo estava sendo julgado nos últimos meses.
Tão importante quanto o dever de julgar é o dever da Justiça de fazer valer suas decisões, quaisquer que sejam. Se a Justiça condena e o réu não está mais no país, não é apenas aquele processo que se torna inútil, mas a Justiça perde sua credibilidade. E todas as vezes que a Justiça perde credibilidade, vivemos em um país um pouco mais perigoso. Afinal, por que deveríamos respeitar as leis se a Justiça não consegue fazer valer suas decisões?
Como os sistemas da Polícia Federal (responsável pelo controle das fronteiras), da Justiça Federal e dos judiciários das 27 unidades federativas (além dos sistemas das 27 polícias civis e das 27 polícias militares) não estão integrados, é muito fácil para algum réu ou condenado fugir. A Polícia Federal simplesmente não sabe quem está sendo processado pelas diversas Justiças ou quem é procurado pelas diversas outras polícias do país: ela precisa ser avisada por essas instituições. E foi justamente isso o que aconteceu na matéria acima.
Mas voltemos à limitação do direito de defesa do réu. Primeiro, o STF não proibiu que os réus saiam do país. O que ele fez foi impedir que eles saiam sem antes obterem permissão do próprio STF. Há uma enorme diferença entre não poder sair e precisar obter autorização para fazê-lo. Basta pensar no caso das viagens internacionais de menores sem os pais. Eles precisam obter a autorização de um juiz para saírem, mas isso não significa que eles estão impedidos de saírem. A autorização serve para que a Justiça tenha certeza que quem está saindo voltará.
A diferença é que uma criança é fácil de saber que é criança: basta olhar para ela ou, na dúvida, a data de nascimento no passaporte. Adulto não é tão fácil. Ninguém tem escrito 'Suspeito de crime' na testa. Para evitar dor de cabeça, seus passaportes são retidos pela Justiça.
E o ministro prejulgou o réu ao determinar que ele não pode sair sem autorização?
Não. Primeiro, porque embora ainda não se saiba a qual pena e o quanto de pena ele receberá, já se sabe que ele foi condenado. O acórdão pode não ter sido publicado, e os magistrados podem até rever a decisão de condenarem, mas isso não muda o fato de que, neste exato momento, o acórdão que está sendo preparado, condena 25 dos 37 réus. Justamente os que foram afetados pela decisão acima.
Mas ainda que não se soubesse que eles estão sendo condenados, a Justiça poderia, sim, reter os passaportes. Da mesma forma como pode determinar a prisão preventiva, o pagamento de fiança ou a liberdade provisória com o uso das tornozeleiras (‘monitoramento eletrônico’). Em todos esses casos não se está presumindo a culpa do suspeito: a Justiça está apenas tentando prevenir que, se considerados culpados mais adiante, os suspeitos não escapem. Porque, tão grave quanto uma Justiça que não julga eficientemente é uma Justiça incapaz de fazer suas decisões serem cumpridas.
Pense nisso: se tomar qualquer atitude contra o suspeito fosse um prejulgamento, o próprio ato de julgá-lo já seria um prejulgamento.