“Supremo rejeita proposta que reduziria pena de condenados
O Supremo Tribunal Federal rejeitou ontem, por 7 votos a 2, uma proposta do ministro Marco Aurélio Mello que reduziria significativamente as penas de 16 dos 25 condenados no processo do mensalão.
A maioria dos ministros entendeu que os diferentes crimes cometidos no esquema devem ser considerados separadamente, não como um mesmo delito.
Esse entendimento foi defendido pelo relator e presidente do tribunal, Joaquim Barbosa, que foi acompanhado por seis colegas. Marco Aurélio só recebeu o apoio do revisor, Ricardo Lewandowski.
Os dois ministros defenderam a chamada continuidade delitiva, que unificaria todos os crimes do esquema, deixando de fora apenas a prática da quadrilha.
Segundo Marco Aurélio, os atos de corrupção, peculato, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e evasão de divisas seriam todos da mesma espécie, porque todos ‘lesam a administração pública’”
Imagine que o vigia da fábrica todas as noites furte uma lâmpada. No fim do ano, ele terá furtado 365 lâmpadas. Mas quantos crimes ele cometeu?
Se alguém tivesse entrado na fábrica uma única noite e furtado uma única lâmpada, aquela pessoa teria cometido um furto. Logo, o vigia terá cometido um furto em cada uma das noites em que subtraiu uma lâmpada da fábrica.
Mas o problema do uso dessa lógica simples aparece quando vamos aplicar as penas.
A pena de furto varia entre 1 e 4 anos. Uma lâmpada não é lá tão valiosa e o magistrado provavelmente aplicará uma pena baixa ou mesmo a pena mínima. Mas como foram 365 furtos, a menor pena seria de 365 anos. Compare isso com a pena máxima possível para um homicídio qualificado (30 anos) ou mesmo para um furto de milhões de reais do cofre de um banco (4 anos), e você verá como a situação é surreal.
É justamente por isso que o art. 71 de nosso Código Penal diz que “quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços”.
O que esse artigo está dizendo é que, embora o vigia tenha subtraído uma lâmpada a cada noite, a forma como ele agia mostra que todos esses crimes estavam intimamente conectados temporal e espacialmente. Eles tiveram uma origem comum. Um era a continuação do outro.
Nesses casos, o criminoso é apenado por um único crime de furto (cuja a pena varia entre 1 e 4 anos), e essa pena é aumentada entre um sexto e dois terços. Ou seja, a pena mínima possível passa a ser de 1 ano e 2 meses (1 ano + 1/6), e a pena máxima possível passa a ser de 6 anos e 8 meses (4 anos + 2/3). Bem mais justo que uma pena mínima de 365 anos e máxima de 1.460 anos (365 x 4).
O entendimento de dois dos magistrados na matéria acima era que o art. 71 poderia ser aplicado a crimes diferentes, desde que eles lesassem o mesmo sujeito (por exemplo, a administração pública) ou o mesmo bem (o patrimônio público).
Os demais magistrados disseram que, quando o art. 71 diz ‘crimes da mesma espécie’, ele está impondo uma restrição: existe crime continuado apenas quando os crimes são do mesmo tipo (ou o que os juristas chamam de ‘mesmo tipo penal’) e nascem da mesma origem.
Se o vigia do exemplo acima, após furtar a lâmpada do almoxarifado, também resolve furtar o caixa da padaria ao voltar pra casa, ele está cometendo um segundo crime que não tem a mesma origem do primeiro. Logo, o art. 71 não pode ser aplicado e ele responde pelos dois crimes de furtos separadamente. Os dois crimes foram cometidos pela mesma pessoa e são da mesma espécie. Foram também cometidos na mesma noite e até em lugares próximos. Mas isso não quer dizer que eles tenham tido a mesma origem. Logo, um não é continuação do outro.
Foi isso que a maioria dos magistrados disse. Os crimes foram cometidos pelas mesmas pessoas que ocupavam determinados cargos e tiverem a mesma vítima (administração pública) e afetaram o mesmo bem (patrimônio público). Mas, dadas as circunstâncias, não é possível dizer que tiveram a mesma origem ou que um foi a continuação do outro.
Mas existe uma outra razão pela qual alguns dos magistrados disseram que o art. 71 não poderia ser aplicado, ou seja, que não havia a continuação de um crime. Quando eles estavam analisando a acusação de formação de quadrilha, eles julgaram que os acusados não eram culpados daquele crime específico porque eles não estavam se associando para cometer crimes. Seria estranho, agora, dizerem que os crimes que cometeram tinham uma origem comum. Não dá para dizer, primeiro, que não havia a intenção de se associarem para cometerem crimes, e depois dizer que havia intenção de cometer crimes desde o início. E é justamente por isso que alguns dos magistrados que absolveram na acusação de formação de quadrilha agora afirmaram que não há crime continuado. Se fosse crime continuado, eles teriam uma origem comum e intenção, e portanto, os criminosos teriam formado uma quadrilha.