O vídeo começa com o professor dizendo que sabe falar inglês, francês, espanhol, italiano mas que não sabe falar alemão. Logo a seguir diz que, embora fale todas essas línguas, leu um texto em português.
O interessante aqui é que esse é um hábito acadêmico brasileiro e que gera consequências relevantes nas nossas vidas.
Para ficarmos em três, apenas:
A primeira é a alienação daqueles que não leram.
Ao fazer citações de autores conhecidos ou obscuros, não estou apenas tentando afirmar minha superioridade intelectual ou credencial acadêmica. Estou também alienando aquele que não teve o privilégio de ler o que li.
Em um país de disparidade sociais e econômicas como o nosso, essa prática se torna um instrumento de diferenciação entre aqueles que têm recursos que lhes garantem acesso (dinheiro e tempo) daqueles que não têm.
No direito, isso impossibilita que o leigo compreenda e exija seus direitos ou mesmo que compreenda os limites de suas obrigações.
Um exemplo simples: se tentarmos ler qualquer processo ou ouvirmos a maior parte dos juristas brasileiros, nos depararemos com uma torrente de citações, muitas vezes em línguas estrangeiras, outras em línguas mortas, como o latim. Tais citações e rebuscamentos desnecessários tornam difícil, se não impossível, a compreensão daquilo que está sendo dito.
Vale lembrar: direito não é ciência exata ou biológica. Não requer capacidade intelectual acima do normal. Na maior parte das vezes, citações e rebuscamentos linguísticos são apenas um véu para manter o leigo alienado.
A segunda consequência – e que passa quase sempre desapercebida – é que ler não é entender. Tampouco entender é saber aplicar.
Um exemplo simples das consequências disso no direito são as medidas provisórias.
Quando nossos congressistas copiaram as medidas provisórias da Itália, esqueceram-se que a Itália é parlamentarista, enquanto no Brasil somos presidencialistas.
No parlamentarismo, o primeiro ministro não tem mandato com tempo determinado. Ele permanece no poder enquanto tiver apoio de sua bancada no parlamento.
Se um primeiro ministro edita uma medida provisória (que só deve ser proposta para assuntos relevantes e urgentes) e não consegue convencer o parlamento a aprová-la com rapidez, fica escancarado que ele não tem apoio de sua bancada. Ou seja, ele provavelmente perderá o cargo.
A consequência disso é que ele só edita uma medida provisória em casos realmente relevantes e urgentes.
No Brasil, ao contrário, o presidente não sofre qualquer consequência pessoal se não têm apoio da bancada do Congresso para aprovar medidas provisórias. Logo, ele pode editá-las sem medo.
A consequência de termos lido e não termos sabido aplicar o que lemos à nossa realidade é que nas últimas três décadas editamos milhares de medidas provisórias.
A terceira consequência é que citar não é criar.
Se abrirmos qualquer trabalho acadêmico de qualquer nível no Brasil perceberemos que ele é basicamente um compêndio de citações. Quanto mais, melhor.
Mas embora regurgitar o conhecimento alheio possa até ser bom para a autoestima, o simples ato de citar não produz novo conhecimento. E não podemos nos esquecer que boa parte do ensino – inclusive jurídico – no Brasil é bancado pela sociedade. Ou seja, a sociedade financia o estudo e trabalho de alguém que não produz novo conhecimento em benefício da sociedade.
Em ciências humanas, como é o caso do direito, esse é um risco ainda maior porque existe o perigo constante de produzirmos opinião e não conhecimento. Dizermos que concordamos ou não com esse ou aquele posicionamento não é conhecimento: é mera opinião.