As idades constantes na tal tabela são em relação à proteção processual e não à maioridade processual. Ou seja, até quando a pessoa está submetida a um processo diferente e a partir de quando a pessoa passa a ser submetida ao rito processual comum de um adulto. Essas idades não são a mesma coisa de maioridade penal (idade para a punibilidade criminal ), e que é o foco da discussão atual no Brasil. Uma coisa é dizer que o que você fez é crime e que você será punido por tê-lo cometido. Ou seja, que você a partir desse momento é visto e tratado como um criminoso. A outra é como o processo para decidir como você será punido ocorre. O que está em debate no Brasil é a redução da maioridade penal e não que tais menores sejam submetidos a processos idênticos ao de um adulto.
Aliás, várias dessas informações estão no próprio relatório. Basta lê-lo com atenção (figura acima, por exemplo).
Para ficamos no exemplo do país no qual o relatório foi feito, a idade criminal na Inglaterra é 10 anos, mas até os 18 anos o julgamento têm algumas diferenças (por exemplo, seu nome não pode ser divulgado, exceto se o juiz permitir, embora o juiz possa remover tal proteção, e muitas vezes remova). Isso não quer dizer que ele deixe de responder criminalmente: ele cometeu um crime e sofrerá uma pena como se fosse um adulto.
Usar essa informação para dizer que a maioridade penal lá é a mesma que no Brasil é comparar coisas diferentes. No Brasil, o menor não responde criminalmente por seus atos até os 18 anos: ele, quando muito, comete apenas um ato infracional (além de, também, e obviamente, não ser julgado em um processo criminal como adulto porque ele sequer cometeu um crime).
Um exemplo simples: o menor brasileiro que cometeu um ato infracional aos 16 anos será primário se cometer um crime aos 18 porque, tecnicamente, nunca foi condenado criminalmente. O mesmo menor, na Inglaterra, será reincidente.
Isso não quer dizer que uma opção seja necessariamente melhor do que a outra. Se por um lado o jovem inglês passa a ter uma maior responsabilidade por seus atos, por outro cria-se um grupo de jovens que dificilmente conseguirá seu primeiro emprego porque ao entrar no mercado de trabalho já chega com uma 'ficha suja'.
Mas o problema aqui não é saber se maioridade penal em país X é 14 ou 15 anos. O problema é o debate em cima da desinformação. Ser contra ou a favor dessa ou daquela idade penal é questão filosófica, sociológica e, a bem da verdade, de gosto. Mas não podemos distorcer dados para que eles se ajustem ao nosso ponto de vista.
E a maioridade penal não é exceção. É o mesmo que ocorre ou ocorreu com outros debates que despertam e despertaram nossas emoções, como a respeito do aborto, da remoção de fetos anencefálicos, de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, mensalão etc.
Em uma democracia, se não gostamos dos fatos, não podemos (ou ao menos não devemos) simplesmente distorcê-los para que eles se adequem milagrosamente à nossa vontade.
Qualquer opção, desde que feita conscientemente, é válida. Mas se distorcemos os dados para convencer outras pessoas a aceitarem nosso ponto de vista, destruímos as bases do debate democrático de longo prazo. Da próxima vez, mudaremos mais dados. Até que em algum ponto o castelo de ilusões se desmorone (a realidade tem o péssimo hábito de cedo ou tarde tornar-se inegável). Pior, teremos convencido as demais pessoas baseados em uma série de mentiras. O custo social no longo prazo é muito maior porque temos que continuar a manipular informação indefinidamente e barrar a verdade a todo custo.
Do ponto de vista jurídico, se usamos informações distorcidas, construímos leis sob falsas premissas. Se vale a analogia, é como tentar combater um câncer tomando um antidepressivo: o antidepressivo funciona, mas não para o problema que temos que resolver. Pior, podemos acabar com dois problemas: não resolvemos o problema que já existia e teremos que lidar com os efeitos colaterais do medicamento errado.
Do ponto de vista democrático, passa a ser a vitória de quem manipula melhor os dados. De quem grita mais alto. De quem deseduca e desinforma melhor. De quem tem menos vergonha de dissimular. Deixa de ser democracia e passa a ser demagogia.
PS: Aliás, como com qualquer outra fonte de informação, temos que tomar cuidado também com estudos acadêmicos. O fato de algo ter sido publicado não quer dizer que seja necessariamente verdadeiro. No meio acadêmico, como em qualquer outro meio, há erros metodológicos, interpretações incorretas e, às vezes, fraudes. E, mesmo que seja verdadeiro, precisamos lê-lo para termos certeza de que sabemos do que trata.