“CPI quer explicações sobre encontro entre Lula e Gilmar Mendes
Integrantes da CPI do Cachoeira anunciaram que vão pedir explicações a Lula e ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes sobre encontro em que o ex-presidente teria feito lobby para adiar o julgamento do mensalão.
Mendes relatou que, em encontro em abril, Lula propôs blindar qualquer investigação sobre o ministro na CPI que investiga as relações de Carlinhos Cachoeira com políticos e empresários. Em troca, Mendes apoiaria o adiamento do julgamento do mensalão.
A história foi revelada pela revista ‘Veja’.
A assessoria de Lula negou o conteúdo da conversa e afirmou que ele nunca interferiu em processo judicial (…)
A história gerou críticas no próprio Supremo.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, nunca deveria ter ocorrido o encontro.
‘Está tudo errado. É o tipo de acontecimento que não se coaduna com a liturgia do Supremo, nem de um ex-presidente da República ou de um ex-presidente do tribunal, caso o Nelson Jobim tenha de fato participado disso.’
O encontro entre Lula e Mendes ocorreu no escritório de Nelson Jobim, ex-ministro do governo Lula e ex-ministro do Supremo.
Lula disse a Mendes, segundo a ‘Veja’, que é ‘inconveniente’ julgar o processo agora e chegou a fazer referências a uma viagem a Berlim em que o ministro se encontrou com o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), hoje investigado na CPI.
Jobim confirmou o encontro em seu escritório, mas negou o teor. ‘Não houve essa conversa. Foi uma visita de cordialidade. Lula queria dar um abraço em Gilmar porque ele foi muito colaborativo [com o governo]’ diz ele, que afirmou ter presenciado o encontro do início ao fim.
O ex-ministro se diz surpreso também com o relato de que Gilmar teria ficado perplexo com a conversa.
‘Lula saiu antes dele e não houve indignação nenhuma do Gilmar. Isso só apareceu agora na revista’, argumenta Nelson Jobim.”
Não há nenhuma proibição legal contra um magistrado encontrar o réu, o autor, seus advogados, ou qualquer outra pessoa que possa ter interesse em um processo. Em alguns países, o magistrado só pode encontrar o advogado de uma parte se o advogado da outra estiver presente. Em outros, não pode encontrar e ponto. Ambas as soluções, embora ajudem, não resolvem porque, como no caso da matéria acima, há sempre a possibilidade de encontros sociais, fora do fórum. Afinal, ninguém espera que um magistrado viva em uma caverna, indo de casa para o trabalho, e do trabalho para casa, por 35 anos.
Mas quando um advogado pede para ter uma audiência (no sentido de bater papo e não no sentido de ter um julgamento) com um magistrado, ele gera três tipos de problemas.
O primeiro é de ordem institucional. Cria-se a impressão de que há algo estranho. Pode não haver, mas fica a impressão, e o Judiciário não serve apenas para fazer justiça, mas para criar a impressão de que a justiça está sendo feita. Sim, a impressão é um elemento muito importante porque ela é um dos mecanismos para manter a ordem social. Se as pessoas ficam com a impressão de que o Judiciário não funciona, tem-se revoltas, revoluções e, talvez até pior, pessoas fazendo justiça com as próprias mãos, o que gera o estado de anarquia e faz com que o Estado deixe de ter razão de existir.
O segundo é de ordem operacional. Cada magistrado no Brasil tem cerca de 12 mil processos para julgar. Digamos que cada processo tenha 100 páginas (normalmente tem muito mais). Isso dá 1,2 milhão de páginas para serem lidas e compreendidas. Em um cenário otimista, se ele conseguir ler 50 páginas por hora e trabalhar 12 horas por dias, ele conseguirá analisar 600 páginas por dia. Ou seja, em 2 mil dias ele finalmente conseguirá se livrar da pilha de processos à sua frente. Contando fins de semana, feriados e férias, os magistrados brasileiros trabalham algo como 181 dias por ano, se não ficarem doentes e não tiverem outros eventos no meio do caminho. Ou seja, ele precisaria de 11 anos para se livrar da pilha de processos atrasados (isso em um mundo ideal, no qual não haveria nenhum novo processo). Mas se o mesmo magistrado gastar 2 horas de seu dia concedendo audiência a advogados, o número salta para mais de 13 anos. Em outras palavras, bater papo com advogado atrasa os processos.
Por fim, há um problema de ordem processual. Advogado bater papo com magistrado pode dar a impressão ao cliente de que o advogado é poderoso e influente, mas adianta pouco do ponto de vista prático. O magistrado só pode decidir baseado naquilo que está no processo. Não adianta – ou não deveria adiantar – um advogado alegar algo fora do processo. Se a argumentação é boa, ela deve estar no processo. Se ela não é, não deveria adiantar ressalta-la fora do processo. Se ele basear sua decisão em algo que não está no processo, haverá recurso contra essa decisão e quem recorreu provavelmente vencerá, ou o advogado terá que convencer também cada magistrado nas instâncias superiores a girem contra a lei. No caso do STF, não há uma instância superior, mas há outros dez ministros que também precisarão ser convencidos.
Muitos advogados pedem para se reunir com os magistrados por medo de os magistrados não lerem os processos. Em outras palavras, querem dizer ao magistrado o que está no processo. Essas reuniões geram dois resultados: primeiro, se ele decidir sem fundamentar no processo, haverá recurso da parte contrária, como explicado acima. Segundo, também como explicado acima, o magistrado fica com menos tempo de ler o processo. É o que se chama em inglês de tragédia dos comuns (tragedy of commons): como os advogados tentam se reunir com os juízes, menos tempo haverá para os magistrados lerem os processos. Como há menos tempo, mais advogados tentam se reunir com os magistrados. E assim por diante, criando um círculo vicioso. Como todos tentam ser 'espertos', todos saem perdendo. É a mesma coisa de filas que se formam antes dos bancos abrirem, filas para tirarem visto no consulado, filas para comprar ingresso para show, ou mesmo durante um congestionamento: todos chegam mais cedo porque todos chegam mais cedo. Se ninguém madrugasse na fila, não haveria necessidade de todos madrugarem na fila. Mas como alguns querem ser espertos, todos agem como se fossem espertos e todos saem perdendo.