“Sob o argumento de que não havia no ano passado regra que proibia os deputados de direcionar dinheiro público para as suas empresas, a Câmara não deverá investigar os casos de parlamentares que usaram a verba indenizatória em 2008 em benefício próprio, como revelou ontem a Folha.
O argumento para os casos de ontem é o mesmo que livrou da cassação o deputado Edmar Moreira (PR-MG), que apresentou notas de uma empresa de segurança sua. O Conselho de Ética entendeu que não havia uma regra explícita que impedisse isso, absolveu o deputado e só depois baixou ato proibindo pagamentos a empresas próprias e de familiares.
Embora possa servir para novas absolvições, o argumento contraria o art. 37 da Constituição: usar dinheiro público seguindo os princípios da moralidade e da impessoalidade.”
A matéria chama a atenção para um princípio básico da administração pública que raramente é citado mas que está explícito na Constituição Federal: os servidores públicos não devem fazer apenas aquilo que é legal (aquilo que é permitido pela lei) ou evitar aquilo que é ilegal (aquilo que é proibido pela lei). Além do critério da legalidade, eles também devem respeitar outros dois critérios importantes: o da moralidade e o da impessoalidade. Raramente vemos esse princípios serem usados e mencionados, mas eles existem e são muito úteis.
O que o servidor público faz não deve ser apenas legalmente aceitável, mas também moralmente aceitável. Para ser moral, a conduta deve ser aceitável pela sociedade, não importando se a lei a permite. A lei cobre um universo muito menor do que a moral. Muitas coisas que são inaceitáveis para a sociedade (ou seja, são imorais) são legais para a lei. Por exemplo, o furto de uso (quando alguém retira um objeto de outra pessoa sem sua autorização, usa e depois devolve) não é ilegal pois não está previsto na lei penal, mas é obviamente imoral. Alguém usar a verba pública para beneficio próprio pode até não ser ilegal, mas certamente é imoral, pois a sociedade hoje em dia não aceita esse tipo de comportamento.
Mais: o que o servidor público faz não pode ser pessoal, ou seja, ele não pode fazer ou deixar de fazer algo porque ele gosta ou desgosta de alguém. E isso inclui ele mesmo. Ele não pode se conceder um direito só porque ele se acha especial. Quando ele fizer algo, ele deve fazê-lo porque o que ele está fazendo é legal (permitido pela lei), moral (aceito pela sociedade) e impessoal (ele agiria da mesma forma se o beneficiado fosse seu pior inimigo ou o prejudicado fosse seu melhor amigo). Se qualquer um dos três princípios não foi respeitado, ele agiu em desacordo com o decoro (honra) exigido por seu cargo.