“Ao mesmo tempo em que informou aumento de lucro inesperado pelo mercado no primeiro semestre, o HSBC anunciou a demissão global de 30 mil funcionários. O banco, que teve lucro de US$ 11,5 bilhões no período, afirmou que os cortes não atingirão o Brasil, ficando restritos a mercados onde perdeu competitividade”
Esse é um erro muito comum mas que pouca gente percebe: redução de postos de trabalho não é a mesma coisa que demissão. E isso tem efeitos jurídicos diferentes para os trabalhadores e para as empresas.
No caso do banco acima, o anúncio na verdade foi de redução de postos e não de demissão, como saiu na matéria. Vamos fazer as contas: o banco diz ter 330 mil empregados em 9.5 mil agências/escritórios em 85 países. Isso dá uma média de 35 funcionários por agência.
Aposentadoria
Todos os anos, alguns milhares de seus funcionários vão se aposentar. Como a idade média de aposentadoria ao redor do mundo é por volta de 30-35 anos de trabalho (vamos usar uma média de 32,5), isso quer dizer que 3,1% de seus funcionários (10 mil) se aposentam anualmente. Uma forma de redução de postos de trabalho é simplesmente fechar essas 10 mil vagas tão logo o funcionário se aposente, ou seja, redistribuir as tarefas dessas funções entre os funcionários que não se aposentaram, em vez de contratar uma nova pessoa para aquela vaga. Como a redução de vagas acontecerá em um período de dois anos, esse número dobra: 20 mil.
Na prática, é impossível fechar todas essas 20 mil vagas, e não há informação sobre quantas dessas vagas precisarão ser preenchidas. Digamos que dois terços das tarefas não possam ser redistribuídas. Ainda sobram 6.7 mil vagas que podem ser fechadas devido à aposentadoria de seus atuais ocupantes.
Mas, do ponto de vista jurídico, quem se aposenta não é demitido. Quem se aposentou não tem os direitos de quem foi demitido, e vice-versa. Se você for demitido, por exemplo, você não vai ter direito a receber o pagamento mensal de uma aposentadoria para o resto de sua vida.
Transferência de propriedade
Um outro exemplo: no mesmo dia que o anúncio acima foi feito, o mesmo banco anunciou a venda de 195 agências nos EUA para um concorrente. Com uma média de 35 funcionários por agência, isso dá algo como 6.8 mil funcionários que deixarão de pertencer ao banco e passarão a ser funcionários do concorrente. Eles não foram demitidos. Pelo contrário: no dia seguinte ainda irão ao mesmo local de emprego e exercerão as mesmas funções. Se o novo patrão decidir que já não precisa mais deles, será o novo patrão quem os demitirá e será contra ele que as ações trabalhistas correrão (dependendo do país e do que realmente acontecer, há exceções, mas vamos manter a coisa simples para efeito de argumento). Se o novo patrão não os demitir, eles continuarão trabalhando normalmente.
Saída voluntária
Mas mesmo em operações normais, o banco perde funcionários. Seja porque os funcionários não querem mais trabalhar lá, seja porque o banco não quer mais que os funcionários trabalhem lá. O percentual exato é um segredo bem guardado pelos bancos, mas tanto o jornal Mirror quanto o Canal 4 da Inglaterra dizem que esse percentual está em torno de 10%-15% no caso do banco acima. Sejamos conservadores e digamos que sejam 10%. Isso dá 33 mil funcionários por ano. Digamos que desses 10%, três quartos sejam demitidos e um quarto (8.25 mil) saia por vontade própria. Em um período de dois anos, são 16.5 mil que se desligam do banco voluntariamente. Se um terço desses postos podem ter suas tarefas redistribuídas entre os que ficam, isso significa o fechamento de outras 5.5 mil vagas sem a necessidade de demissões.
Mas quem sai por vontade própria não tem os mesmos direitos de quem foi demitido. No Brasil, por exemplo, há multas rescisórias e outros direitos que são exclusivos de quem foi demitido, e não de quem saiu por que quis.
Mesmo se formos muito conservadores, somando os números acima – 6.7 mil + 6.8 mil + 5.5 mil – veremos que a maior parte da redução de postos (19 mil de um total de 30 mil) pode acontecer sem a necessidade de demissões. Se formos menos conservadores, veremos que todos os 30 mil postos de trabalho (ou até mais que isso) podem ser fechados sem que tenha ocorrido uma única demissão além do 'normal'. Não é de espantar, portanto, a notícia publicada no mesmo dia no Valor Econômico (onde, aliás, o termo correto foi usado):
“O HSBC planeja contratar até 15 mil pessoas em mercados de rápido crescimento na Ásia e na América Latina nos próximos três anos, mesmo após a confirmação de que o banco deverá cortar postos de trabalho em outros países”