“Hacker violou mensagens de Dilma na campanha de 2010
Um hacker invadiu o correio eletrônico pessoal da presidente Dilma Rousseff e copiou e-mails que ela recebeu durante sua vitoriosa campanha à Presidência da República, no ano passado.
O rapaz tentou vender os arquivos a políticos de dois partidos de oposição, o DEM e o PSDB, mas disse que não teve sucesso.
A Folha encontrou-se com o hacker segunda-feira, num shopping de Taguatinga (DF), a 20 km de Brasília. Ele não quis se identificar. Disse que se chama ‘Douglas’, está desempregado, mora na cidade e tem 21 anos (…)
O hacker disse que decidiu vender as informações por estar "preocupado" com o nascimento do primeiro filho, previsto para breve.
"Douglas" também pediu dinheiro à Folha em troca das mensagens. A Folha não paga pelas informações que publica e recusou a proposta”
“PF acusa [sic] repórter de publicar dado sigiloso
A Polícia Federal indiciou um jornalista de São José do Rio Preto (SP) sob suspeita de divulgar informações preservadas por segredo de Justiça.
Allan de Abreu, repórter do ‘Diário da Região’, foi indiciado após publicar duas reportagens com dados obtidos por meio de escutas telefônicas feitas pela polícia na Operação Tamburutaca (…)
Segundo o repórter, no dia seguinte à primeira publicação, o procurador da República Álvaro Stipp o chamou e questionou quem havia passado as informações para o jornal. Abreu diz que se negou a revelar a fonte, apesar da insistência do procurador.
Após uma segunda reportagem, o procurador pediu abertura de inquérito para investigar o vazamento das informações e solicitou o indiciamento do jornalista.
Para Stipp, o repórter descumpriu a lei 9.296, de 1996, que considera crime ‘quebrar segredo de Justiça sem autorização judicial’ (…)
Segundo o procurador, a divulgação prejudicou as investigações: uma das pessoas citadas nas escutas divulgadas, e que poderia servir como testemunha, sumiu.
Stipp diz que não é contra o repórter ter tido acesso aos dados, mas por ter divulgado uma parte do processo”
Sem tomar nenhum lado na discussão, hoje vamos falar de sigilo e divulgação de dados sigilosos por jornalistas. E vamos começar com a segunda notícia.
A lei citada pelo procurador na segunda matéria diz que “constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei”. Reparem, contudo, que ela não diz se é crime divulgar. Ela diz que é crime ‘quebrar’, mas quebrar é uma palavra subjetiva. E pior: não está claro a quem ela está se referindo. Pode estar se referindo tanto ao servidor público que tinha a obrigação de protegê-lo mas preferiu contar o que viu ao resto do mundo, mas também pode estar se referindo ao jornalista que divulga a informação que recebeu. Leis mal escritas geram essas dúvidas. Em direito penal, usamos um princípio simples: in dubio, pro reo. Na dúvida, devemos dar a interpretação mais benéfica ao suspeito. No caso, a interpretação benéfica é a mais restritiva: a primeira, ou seja, aquela que reduz o número de pessoas puníveis pelo delito.
Mas reparem que, ainda que a justiça use a segunda interpretação, o jornalista, segundo a matéria, foi indiciado não por ter quebrado o sigilo, mas por ter se recusado a revelar sua fonte. Mas o sigilo da fonte é protegido pela Constituição (que é uma norma muito superior à lei citada pelo procurador). Nossa Constituição diz que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Óbvio que o sigilo da fonte é necessário aos jornalistas. Caso contrário, seria imprensa oficial (pode parecer que estamos tomando partido. Não estamos. Estamos apenas enunciando um fato reconhecido por nossos tribunais). O indiciamento é, portanto, uma forma de pressionar o jornalista, mas apenas isso.
E há um outro detalhe lógico: depois que alguém violou o sigilo, ele já está quebrado. Não importa se apenas uma pessoa sabe ou se toda a torcida da seleção brasileira sabe. A violação acontece no momento em que alguém deixa de respeitar o segredo/privacidade e não no momento da divulgação. Logo, a violação se deu no momento em que quem viu o processo contou ao jornalista (ou a quem quer que ele tenha contado antes), não no momento em que o jornalista divulgou o que ficou sabendo.
Dêem uma olhada, por exemplo, no que diz o artigo 151 de nosso Código Penal que trata de um assunto mais ou menos parecido:
“Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem:
Pena - detenção, de 1 a 6 meses, ou multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre (II) quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas”.
Reparem que quando a lei quer falar divulgar, ela diz divulgar. Se ela não usa a palavra divulgar (como de fato não usou na lei citada pelo procurador da matéria acima), não podemos imaginar que a palavra está lá. Novamente: o princípio do in dubio, pro reo diz que a lei penal deve ser sempre interpretada em favor do suspeito.
Existe mais um último detalhe aqui: mesmo se não houvesse a Constituição, a lei não diz apenas "sem autorização judicial’. O procurador da matéria acima esqueceu-se de dizer que ela continua: "ou com objetivos não autorizados em lei”. A liberdade de imprensa é um objetivo autorizado em lei. Na verdade, é um objetivo protegido por lei, o que é ainda mais importante. Sem ela, voltaríamos ao tempo da ditadura.
Mas isso quer dizer que é o império da impunidade? Há algo em comum tanto na primeira quanto na segunda matéria: as informações obtidas por quem as passou ao jornalista (ou tentou repassá-las ao jornalista) foram obtidas de forma ilegal. No primeiro caso, alguém violou o sigilo de correspondência. Isso é crime. No segundo caso, algum servidor público violou o segredo de justiça do processo. E isso também é crime. Embora os jornalistas que recebem e divulgam essas informações estejam exercendo apenas sua profissão, quem violou esses sigilos para passar as informações aos jornalistas cometeu crime e pode/deve ser processado por isso (um paralelo interessante é o caso do Wikileaks: quem está sendo acusado é o militar suspeito de ter repassado as informações ao Wikileaks, e não os jornalistas do Wikileaks que divulgaram as informações recebidas).
E se quem violou foi o jornalista? Bem, se ficar provado que quem violou o sigilo foi o jornalista, ai ele deve responder pelo seu crime. Mas, novamente: o crime não foi a divulgação, mas a violação. A mesma coisa se ficar provado que foi o jornalista quem pediu para que a violação ocorresse (é o que os juristas chamam de autoria intelectual)