“STF rejeita recursos de 4 réus e esgota chances de deputado
Oito meses após definir a sentença, o Supremo Tribunal Federal retomou ontem o julgamento do mensalão e de forma quase unânime rejeitou os primeiros recursos dos 25 condenados no ano passado por envolvimento no esquema de compra de apoio congressual ao governo Lula (…)
Na sessão de ontem, o presidente da corte e relator do caso, Joaquim Barbosa, repetiu o duelo verbal registrado com alguns colegas ao longo do julgamento do mensalão.
Com Dias Toffoli, por exemplo, protagonizou um dos momentos mais tensos. Ao discutirem se ministros poderiam votar sobre recursos de réus que haviam absolvido, Toffoli disparou: ‘Vossa excelência presida de maneira séria’.
‘Eu sei onde quer chegar’, respondeu Barbosa, que ouviu de Toffoli: ‘Vossa excelência não sabe. Só se tiver capacidade premonitória [sobre o teor do voto dele a respeito do recurso do ex-tesoureiro informal do PTB Emerson Palmieri]’. Em resposta, Barbosa disse que o colega agia com um tom ‘jocoso’ que ele não considerava apropriado.”
Uma das primeiras lições que alunos de direito aprendem é que magistrado só fala nos autos. Ou seja, ele só expressa sua opinião no próprio processo.
Mas essa é apenas meia lição. A outra metade é que ele deve se ater aos fatos e argumentos dos autos. Ele não deve usar o processo como plataforma para manifestações políticas, sociais ou pessoais. Essa obrigação de se ater aos fatos e argumentos dos autos torna o processo incrivelmente mais chato, mas é essencial para garantir a estabilidade institucional.
A troca de farpas entre magistrados de qualquer corte é ruim porque mancha a imagem do Judiciário e, por consequência, a respeitabilidade dos próprios magistrados.
Se magistrados resolvem manchar a própria imagem, é uma decisão deles com consequências para eles. Mas, ao fazerem isso no processo, causam um dano maior.
Embora possa parecer politicamente interessante para nós, que não estamos envolvidos e por isso, em teoria, não perdemos ou ganhamos nada com as cenas novelescas, a verdade é que todos perdemos porque não temos mais certeza se estão julgando baseados em razões ou emoções.
É mais ou menos o que acontece em muitas bancas examinadoras de mestrado ou doutorado onde um membro da banca desgosta ou gosta excessivamente de outro: quem está apresentando seu trabalho acaba sendo prejudicado ou beneficiado por razões que nada têm a ver com a qualidade de seu trabalho ou ideias, mas pelas relações daqueles que o estão julgando. O resultado acaba sendo boas teses desnecessariamente criticadas ou más teses que recebem louvores que não mereciam.
No caso de um julgamento, fica a percepção de que o réu inocentado talvez não merecesse ter sido absolvido, ou de que o réu culpado não merecia ter sido condenado. No primeiro caso, temos alguém que para sempre será apontado nas ruas como ‘o culpado que escapou da lei’. No segundo, temos um inocente injustiçado.
Isso não quer dizer que o réu foi de fato beneficiado ou prejudicado. Mas, por termos nos desviado da pura racionalidade exigida pela Justiça, abrimos a possibilidade de percepções errôneas. Ainda que a Justiça tenha sido feita, fica a incerteza.
E, quando se trata de Justiça, não há nada mais importante do que transparência e certeza. Quando elas faltam, criamos um ciclo vicioso de desconfiança e instabilidade institucional.
Ao usar o processo para expressar emoções, os magistrados o tornam incrivelmente mais interessante, mas porque emoções não podem ser fundamentadas ou justificadas racionalmente, abrem a perigosa porta da desconfiança não só sobre si mesmos, mas sobre a justiça de suas decisões.